A missão de Scheila e a fé inabalável da Fraternidade O Caminho

Scheila Fernanda Rodrigues é ainda uma “menina” de 36 anos. Mas com o coração maior que tudo. Casada e com cinco filhos, deixou o conforto do lar, na última semana, para se voluntariar entre pessoas em situação de rua da grande São Paulo. E ela foi feliz da vida. Ao lado de outros cinco voluntários mourãoenses, atuou junto aos freis franciscanos, da Fraternidade O Caminho. Além de ajudar quem nada tem, viveu a experiência em dormir sobre papelões, em calçadas sujas do Vale do Anhangabaú. A ideia era se igualar aos humanos ditos invisíveis aos olhos da sociedade. E ela aprendeu muito. O coração, que já era enorme, ficou ainda maior.

“Foi impactante. Na primeira ida de manhã até a Cracolândia, estavam terminando de lavar a rua onde eles ficam. Conforme eu ia andando e passando pelas pessoas, parece que meus olhos não acreditavam no que eu estava vendo. Saí de lá com as lágrimas escorrendo. Chegaram molhar a minha máscara”, revelou. Sheila teve um sentimento profundo de tristeza. Mas, ao mesmo tempo, uma alegria em poder confortá-los apenas com o carinho em cumprimentar, olhar, conversar. De certo modo, a ela, deixaram de ser invisíveis.

A missão era complexa. À tarde, acompanhada do Frei Amós, também de Campo Mourão, Scheila seguiu a um “arrastão” na Praça da Sé. E foi ali onde vivenciou fortes emoções. Os voluntários ajudaram homens em situação de rua com corte de cabelo e barba. Já às mulheres, unhas e esmaltação. Também entregaram cachorro quente, doces e produtos de higiene pessoal. E ainda, carinho e quem sabe, um pouco de esperança.

Mas o coração de Scheila se esfacelou ao cortar as unhas de Chaiane, uma menina de 10 anos, entregue às ruas, à mercê de tudo. “Perguntei onde morava. Ela disse que morava ali mesmo, na Praça da Sé”. A criança estava acompanhada de outra menina, uma prima, também sem nada. Chaiane falava pouco. Tinha um olhar de tristeza, sempre em direção para baixo. Usava um capuz vermelho. Era difícil ver o rostinho. “Num momento ela me olhou e disse: tia muito obrigada tá. Você é linda. Meu coração que já estava acelerado, pulou ainda mais. E um nó na garganta apareceu. Consegui responder com um sorriso: você que é muito linda”.

Scheila não deixou que a menina percebesse o que sentia. “Doía muito dentro de mim não poder fazer mais por ela”, disse. Bastou terminar as unhas e Chaiane foi embora, dando “tchau” ao lado da prima. Como crianças, deixaram o local saltitantes, correndo alegres e felizes, uma olhando a unha da outra. Foi uma pequena ação. Mas grande demais às duas crianças que, definitivamente, jamais tiveram gentilezas da vida.

À noite, a missão retornou à Cracolândia. Era hora de entregar marmitas. E, tudo, foi ainda mais intenso. “Triste. Intenso. Forte ao mesmo tempo. Triste por ver uma população em situação de rua daquele tamanho. Jamais imaginei em minha vida vivenciar aquilo. E muito amor ao ver os freis e irmãs da fraternidade O Caminho se doando, fazendo o dia daqueles moradores um pouco menos difícil. A comida e a água, as palavras, são o maior gesto de amor pelos pobres que eles podem ter”, explicou.

Mas se tudo o que havia vivido até aquele momento era forte, a próxima ação era surreal. Juntos, os voluntários e freis seguiram até o Vale do Anhangabaú. E ali, passaram a noite sobre papelões, pedidos por eles mesmos na rua. “Tínhamos poucas cobertas. Estávamos ao relento, em meio ao agito da cidade e o frio da madrugada”, disse Scheila.

“Vivemos a experiência que os moradores de rua vivem. Pedimos nos estabelecimentos comercias papelão pra dormimos. Sentimos o olhar das pessoas. Chegando lá nos arrumamos no chão e ficamos escutando o barulho da cidade. Skates passando. Pessoas com caixas de músicas. Caminhões que passavam ali tão pertinho e nos assustamos”, disse.

A experiência durou até as cinco da manhã. Scheila conta que passou frio na madrugada. Não tinha como se aquecer. “Tínhamos pouca coberta. O objetivo era viver na pele a experiência daquelas pessoas”, disse. O sol raiou. Depois seguiram a uma missa no mosteiro.

Scheila é uma mulher como todas as outras. Diferente apenas nas atitudes e na vontade em equilibrar as injustiças sociais. Ela se tornou voluntária na Casa de Passagem São Bento José Labre, através da Fraternidade O Caminho, há oito anos, desde o seu primeiro retiro. Depois disso acabou morando em Curitiba, onde ficou quatro anos. “Lá sempre senti falta do que eu vivia na fraternidade. Então, quando retornei a Campo Mourão, fui aos poucos indo em algum retiro e encontros”, disse.

Mais adiante, quando soube que os freis passariam a coordenar a Casa de Passagem, buscou colaborar voluntariamente. “Eu me encontrei ali. Me tornei voluntária pra que pudesse me doar pelo meu próximo, pelo meu irmão. Tanto com um abraço de carinho quanto levar algo pra comer e beber”, disse.

A missão foi uma verdadeira lição à Scheila. Segundo ela, quando chegou à sua casa, olhava as coisas materiais, sua família e pensava “Meu Deus como várias vezes fui egoísta em pensar que queria muitas mais coisas”. “Dentro de mim brotou algo muito grande. Algo que quero levar aos meus filhos. A meu próximo. Já tinha um amor aqui dentro de mim pelas pastorais que fiz em Campo Mourão. Mas agora com essa experiência que fiz aumentou muito mais”, disse.

Desempregada, ela garante que não sabe o que irá fazer ainda. No entanto, tem a certeza que não deseja que a vontade em ajudar pare. Para ela, uma semente foi plantada. E com fé, dará muitos frutos ainda pela comunidade. “Minha vida voluntaria está apenas começando”, disse.

Fraternidade O Caminho

“Somos atraídos por Jesus que se despojando de toda a sua condição divina se tornou pobre, servo, humilde; dom sem reservas e sacrifício por toda a humanidade”.

A vocação da Fraternidade O Caminho nasceu de uma profunda experiência viva de amor com Jesus. Experiência essa, que foi capaz de dar pleno sentido à vida dos freis. Para eles, o chamado é pura e total iniciativa dele. “Não foram vocês que me escolheram, mas fui Eu que vos escolhi e vos destinei para ir e dar fruto e para que o vosso fruto permaneça” (Jo 15,16).

A Fraternidade, como uma grande árvore, abriga e contempla as diversas vocações que a Igreja comporta. Trata-se de uma comunidade de vida religiosa, contemplativa, sacerdotal, além de uma comunidade de homens e mulheres que vivem o carisma no seu dia a dia, como leigos associados, membros da juventude, missionários e voluntários.

Scheila fazendo as unhas da menina Chaiane