Adriano embarcou de mãos dadas à esperança

Até uma semana, Adriano era um invisível. Morava no improviso das ruas. Utilizou três paredes da Casa da Cultura e, com compensados, terminou a tapera, a qual chamava de casa. O colchão ficava sobre uma fossa. É ruim dizer. Mas a verdade é que muitos cães da cidade viviam melhor do que ele. E, mesmo convivendo desta forma, tinha um único desejo: encontrar Sandra, a irmã que jamais teve contato. O problema é que não tinha informações do seu paradeiro. Numa busca por pistas, a TRIBUNA a localizou em Cacoal, Rondônia. Hoje, alimentado de esperanças, Adriano ganhou a passagem e rumou até lá.

“Tudo o que eu quero é encontrar a minha irmã. Lá, espero ter uma nova vida, agora, longe das ruas”, afirmou o ex “invisível”. Em Cacoal, Sandra o espera de braços abertos. Ela deseja ajudá-lo. “Vai morar no sítio com a gente. Trabalho aqui está difícil. Mas enquanto não tem, vai nos ajudar na propriedade. E longe da rua”, garantiu ela.

Hoje, ao meio dia, ele embarcou numa viagem de 48 horas até Rondônia. A distância é do tamanho da sua esperança. Esperança de uma vida digna. De uma cama quente. Uma mesa para se sentar. Um chuveiro para se lavar. Coisas simples à maioria das pessoas. Mas distante do mundo em que se encontrava.

A história

Aos 47 anos, Adriano foi encontrado lavando os pés aos fundos da Casa da Cultura. Era o início dos rituais do banho. Encheu um balde com água e, mesmo no frio, lavava as partes, uma de cada vez. Depois da higiene, o sujeito de olhos verdes, cabelos grisalhos e de baixa estatura, adentrou à própria “casa”. Ela havia sido construída há dois meses, entre três paredes de concreto do imóvel municipal. Sozinho no mundo, o barraco era tudo o que possuía no plano terreno. No espiritual, tinha fé que as coisas melhorassem. E a fé venceu.

Dormindo nas ruas, Adriano ganhou um colchão e cobertas. Depois de encontrar o local, identificou placas de madeira jogadas na via. E as transformou em teto e parede. Então, sobre a tampa de uma fossa em concreto, armou a estrutura. Era lá onde passava os dias e noites. Todas, a lamentar pela situação em que se encontrava.

O improviso chamado de “casa” acomodava os poucos pertences. Tudo, devidamente organizado. Roupas num canto. Sapatos noutro. Uma bandeira do Brasil amarrada ao teto. E no chão, o pequeno colchão com os cobertores. Do lado externo, uma pequena panela. Era lá onde fazia o arroz e feijão, recebidos de gente que ainda se preocupa com gente. Utilizava duas latinhas com álcool para aquecer a água. E, depois de quente, preparava o rango.

Adriano conta que a vida não vinha sendo bacana. As ruas, nem sempre foram sua morada. Nasceu em Apucarana, em 74. Mas ainda criança, foi abandonado pela mãe. Acabou nos braços da avó paterna, em Londrina. Aos oito, soube que o pai estava em Campo Mourão. Então, foi enviado com uma pequena mala ao genitor.

Recebido, trabalhou como bóia fria ao seu lado até os 14. Foi quando descobriu que a madrasta, não era a mãe biológica. “Cresci com meu pai dizendo que ela era minha mãe. Sempre acreditei nisso. Mas depois descobri a verdade”, disse. Conflitos constantes com o genitor fizeram com que deixasse a casa. Ganhou as ruas. E depois, o mundo.

Desde cedo, Adriano aprendeu a trabalhar na construção civil. E foi na atividade onde ganhou dinheiro. O suficiente para sobreviver. Cansado das aventuras, sempre acabava retornando à casa do pai. Mas os conflitos continuavam. E foi assim, sempre, até o genitor morrer, há cerca de três anos.

Adolescência

Aos 15, Adriano se casou. Ele engravidou uma jovem, como ele. Da relação, teve dois filhos. Os quais nunca mais teve notícias, disse. Mas a convivência com a companheira durou pouco. Já, aos 16, conheceu quem não devia. E pagou por isso. Fez um roubo e ganhou três anos de reclusão numa casa à menores. “Aprendi a lição. Nunca mais fiz isso”, revelou.

As ruas também evidenciaram o óbvio. Ainda jovem, conheceu o álcool e as drogas. Mais adiante, já aos 30 e poucos, se afundou no crack. Mas, segundo ele, não usa mais. Teria sido um período de apenas sete meses. Sozinho, se aventurou em Maringá, onde foi flanelinha. Lá, conheceu um sujeito. Juntos, tinham vontade em conhecer São Paulo. Mas sem grana, decidiram ir a pé.

“Demoramos uns seis dias pra chegar lá. Foi uma aventura”, disse. Segundo Adriano, quase não dormiam. Paravam pouco para descansar. Comida era apenas miojo, que faziam no caminho. Na cidade grande, permaneceu quase dois meses. E viu que, as ruas de lá, eram bem piores que as de menores cidades. Drogas e violência o assustaram. “Pensei comigo, sabe de uma coisa, vou é sumir daqui”, disse. De volta a Campo Mourão, foi acolhido, mais uma vez pelo pai. Mas a eterna dificuldade no convívio o afastou, mais uma vez.

No começo deste ano, desejando parar de beber, buscou ajuda numa casa de reabilitação. Foram apenas quatro meses. Mas teve problemas na relação com outros internos. “Para não cometer nenhuma loucura, decidi deixar o local”, revelou. Sem teto, buscou ajuda dos freis franciscanos, na Casa de Passagem de Campo Mourão. Não conseguiu ficar. “Descobri que minha vida é ser sozinho. Tenho dificuldades com a convivência de outras pessoas. Vou continuar assim”, revelou.

Há três semanas, quando deu entrevista a este jornal, ressaltou que sua fé era grande. E isso ficou evidenciado nos dias a seguir. Não só encontrou a irmã, como deixou a rua. Hoje, tirou foto dentro do busão, já sentado, rumo a uma nova vida. É, o vento soprou a seu favor.