Aos 65 anos e, depois de criar os 10 filhos, Raquel completa sua ‘história’

Ela sempre prometeu a si mesma conquistar um diploma universitário. É que, após dedicar uma vida inteira aos dez filhos, os planos começaram agora. Hoje, aos 65 anos de idade, ela acaba de passar no vestibular do curso de História. Um nome bastante sugestivo a quem sempre caminhou sozinha, driblando os espinhos de uma longa estrada sem acostamentos. Chegou o momento de concluir, possivelmente, uma de suas maiores metas de vida. Um sonho do passado, que se transforma em presente.

Raquel Ribeiro Gonçalves nasceu em 1960, em Cornélio Procópio. Até os 12, viveu em Arapongas. O pai era operador de máquinas. E a mãe, do lar. Em 1972, após a separação dos genitores, foi levada para Campo Mourão, onde passou a morar com uma tia. Virou mourãoense, nunca mais deixando a cidade. Ela até estudou, embora concluísse o segundo grau mesmo, somente em 2000. No entanto, desde “mocinha”, guardou com ela um desejo íntimo, só dela, de um dia cursar uma faculdade. Uma espécie de “tesão reprimido”.

Conta que os planos eram estudar e cursar a faculdade ainda cedo. Mas o destino resolveu mudar tudo. Um casamento ainda aos 20, fez com que abandonasse o objetivo. Então, casada e agora, mãe, arregaçou as mangas e foi trabalhar. Nunca mais parou. Raquel teve dez filhos. E sempre, segundo ela, os manteve com o próprio suor. “Eu os criei sozinha. Sou diarista até hoje. E a cada diária, criei, alimentei e estudei os 10”, disse.

Embora o trabalho e a jornada como mãe nunca tenham parado, Raquel jamais deixou a leitura de lado. Conta que através de muitos livros, sempre buscou o conhecimento. Uma forma de manter-se esclarecida, principalmente, para ajudar a turma de casa. “Tive que trabalhar como empregada doméstica e diarista pra que meus filhos tivessem uma vida digna. Todos estudaram. Foi bem difícil. Agora é hora de cuidar de mim. Realizar meu sonho pessoal”, explicou.

Também conhecida por seu jeito “briguenta”, principalmente no que diz respeito aos seus direitos como cidadã, Raquel diz que sempre foi mãe e pai ao mesmo tempo. Mãe na forma de amar, educar. Pai, na exigência austera, para moldar o comportamento dos filhos. “Sempre fui muito exigente com eles”. E a fórmula deu certo. Hoje, praticamente todos estão encaminhados. Aliás, também a ajudam financeiramente, embora ela continue a trabalhar. “Faço questão de ter meu dinheiro. E gosto de trabalhar. Me dignifica”, afirma ela.

Bastidores da notícia

A matéria com Raquel começou a ser escrita no início de janeiro. Durante um dia inteiro de entrevistas, este repórter concluiu o material. Mas algo inusitado aconteceu. Ao checar a informação de sua aprovação na Unespar, a TRIBUNA descobriu que, apesar dela ficar em 19º lugar, portanto dentro dos 20 aprovados, Raquel ainda não estava aprovada. Isso porque haviam outras cinco vagas destinadas a cotistas. Ou seja, ela deveria aguardar a segunda chamada.

Embora tenha comemorado sua conquista, ela não sabia das cotas. E ficou chocada ao ser comunicada, por este repórter, que os seus sonhos ainda não haviam acontecido. Raquel desabou. E chorou. Ela não acreditava no que estava acontecendo. “Depois de tudo o que passei, ainda tem essa história de cotas? Não estou acreditando nisso”, disse ainda em janeiro.

Pois bem, a TRIBUNA segurou a matéria até a manhã de hoje, quando a Unespar lançou a lista com a segunda chamada. E para a alegria de toda a sua família, dela e também deste repórter, seu nome estava listado dentre os aprovados. “Cara, soube da notícia ainda de madrugada. Estou muito feliz. Vou postar uma nova foto nas redes sociais. Agora só falta me matricular e correr para o meu sonho”, disse ela, hoje.