Apae de Campo Mourão alerta para retrocesso com ação que ameaça a educação especializada
A equipe da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Campo Mourão, assim como representantes e familiares ligados à educação especial no Paraná, está apreensiva com o futuro das escolas especializadas. A preocupação é decorrente do ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7796 no Supremo Tribunal Federal (STF), em março deste ano, pela Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down. A ação questiona a legalidade de leis estaduais que sustentam esse modelo de ensino, o que pode resultar no fechamento dessas instituições no estado. Para a direção e a presidência da Apae local, a medida representa um “retrocesso” no atendimento às pessoas com deficiência.
A referida ação busca a invalidação das Leis Estaduais nº 17.656/2013 e nº 18.419/2015, que reconhecem e asseguram o apoio do Estado à modalidade de educação especial, promovida por entidades filantrópicas como as Apaes. Segundo o presidente da Apae de Campo Mourão, Luciano Rosa, a defesa da federação é de que as Apaes não têm natureza inclusiva e que elas estariam segregando as pessoas com deficiência, como a Síndrome de Down, com a defesa de que elas deveriam estar na educação regular.
Caso a ação seja julgada procedente, a oferta da educação especial poderá ficar restrita ao modelo dito inclusivo, dentro das escolas de rede comum de ensino. Atualmente, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº 9.394/1996), a orientação é que o atendimento educacional especializado ocorra, preferencialmente, em escolas públicas ou privadas do ensino regular, junto a estudantes sem deficiência ou que não demandam esse tipo de apoio. A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 208, Inciso III, também expressa essa recomendação, sem, entretanto, invalidar outras modalidades de atendimento, como as oferecidas pelas escolas especializadas.

Com vasta experiência em quase todas as etapas da educação básica, do ensino fundamental ao médio, a pedagoga Ana Alice Machado, diretora da Escola Maria José Carneiro de Macedo (Apae rural), de Campo Mourão, defende que o modelo educacional atual não consegue promover a inclusão de todos os alunos com deficiência física e intelectual. “Fui alfabetizadora, trabalhei com sala de recursos de deficiência intelectual, como professora de apoio educacional especializado, com os alunos autistas em sala de aula, como professora de altas habilidades e também no ensino regular, sem ser a educação especial”, resumiu. “Não consigo enxergar os alunos da Apae dentro do ensino regular, se a gente estiver falando em questão de aprendizagem, de desenvolvimento”, afirmou.
Segundo ela, grande parte dos discentes que estudam hoje na Apae já passou por avaliações multiprofissionais que indicam que eles precisam de um acompanhamento e trabalho especializado e individualizado. “Para quem conhece a realidade dos alunos que frequentam as Apaes, sabe que eles não têm condições de frequentar o ensino regular”, disse a gestora. “Para eles irem para o ensino regular, mesmo com sala de recursos, esses alunos lá, sim, serão segregados, porque eles vão sofrer bullying, não vão acompanhar, vão começar a ficar retidos”, ponderou.
Outro questionamento levantado por Ana Alice diz respeito à não obrigatoriedade no Brasil da escolarização para estudantes que frequentam a Educação de Jovens e Adultos (EJA) a partir dos 16 anos – como é o caso dos atendidos na Apae rural de Campo Mourão. Segundo ela, tornar exclusivo o ingresso nas escolas de rede comum de ensino esbarraria em outro problema: a falta de vagas para estudantes que já não estão em idade escolar, restando, provavelmente, apenas o atendimento nas áreas assistencial e de saúde. “Aí sim, eles vão ser excluídos e segregados”, opinou.
A medida representa um retrocesso para ela especialmente porque, em seu entendimento, as pessoas com deficiência que hoje frequentam as Apaes vão perder o direito do acesso à educação. “Eu vejo que vai ser um retrocesso muito grande, nós vamos voltar lá quantos anos atrás, quando os alunos ficavam em casa? Que é o que vai acontecer!”, questionou. O presidente da Apae também argumentou nessa direção. “Eu penso que isso acaba sendo, como a própria Federação das Apaes está colocando, um retrocesso”, pontuou Rosa.
Ana Alice é enfática ao dizer que o ensino regular não está preparado para receber estudantes com certos graus de deficiências múltiplas e intelectuais, e não é nem por falta de vontade, como pontuou. Conforme disse, muitos professores das escolas da rede comum sequer se identificam com a educação especial e não demonstram interesse em atuar nesse campo.
Essa dificuldade se agrava diante das condições enfrentadas nas instituições de ensino. Até pouco tempo, quando ela atuava no sistema regular, atendia turmas de 30, até 40 estudantes, cada, realidade ainda enfrentada por grande parte das escolas. “Eu peguei turmas do ensino médio com 43 alunos e as outras do ensino fundamental acima de 30, já enfrentando todos os problemas que não estão dando conta, questão de indisciplina, comportamento, dificuldades de aprendizagem; com os nossos alunos, eles não vão conseguir fazer algum trabalho”, sinalizou.
Nesse contexto, as famílias estão aflitas. “Nós temos mães aqui na nossa escola que têm dois filhos autistas de nível de suporte três, muito comprometidos”, comentou. Ana Alice explicou que, com esses discentes, é trabalhado o currículo funcional, adaptado, visto que eles não têm a possibilidade sequer de se alfabetizarem. “Como eles poderiam ser incluídos na rede regular de ensino?”, questionou a diretora.

Rede regular de ensino
Procurada pela equipe de reportagem da TRIBUNA, a secretária de Educação de Campo Mourão, Marina de Freitas Barbosa, reconheceu e valorizou a importância do trabalho das Apaes no que diz respeito à inclusão e à diversidade, enquanto instituições parceiras da educação regular, atuando sobretudo no acolhimento, na educação e na promoção do desenvolvimento de pessoas com deficiência intelectual e múltipla. “Considero que a Apae se destaca como uma escola especializada que, há décadas, realiza um trabalho de referência e humanidade”, afirmou a secretária.
Marina também salientou que a realidade organizacional dessas instituições especializadas é acolhedora, cuidadosamente planejada, visando atender às necessidades dos estudantes, de forma personalizada, de acordo com os comprometimentos dos alunos, sejam eles moderados ou severos.
“Ao falarmos de inclusão precisamos refletir que o direito à educação inclusiva não significa, obrigatoriamente, a permanência de todos os estudantes em um mesmo espaço ou modelo de ensino. Inclusão verdadeira é aquela que respeita as especificidades, as potencialidades e as dificuldades de cada sujeito, oportunizando que todos se sintam pertencentes, respeitados e participantes ativos de todo o contexto ao qual estão inseridos”, defendeu a secretária, ao acrescentar que, nesse sentido, a Apae se reafirma como uma escola inclusiva.
O posicionamento dos representantes do Núcleo Regional de Educação (NRE) de Campo Mourão, responsável pela rede estadual de ensino em 16 municípios da região, também vai nessa direção. “Tentativas de eliminar a política de apoio à educação especial revelam grave desconhecimento da diversidade das necessidades educacionais das pessoas com deficiência e afrontam os princípios da equidade, da pluralidade e da escuta ativa das famílias”, afirmou a chefe do NRE, Ivete Keiko Sakuno Carlos, acrescentando que as Apaes do Paraná prestam um serviço educacional de excelência, com equipes multiprofissionais, estrutura adequada e comprovados resultados na promoção da autonomia, inclusão e qualidade de vida das pessoas com deficiência.
Ivete destacou, ainda, que a ADI sobre o tema ignora a realidade concreta de mulheres de famílias paranaenses que, com base na avaliação técnica e no melhor interesse de seus filhos, optam pelo atendimento especializado. “A educação especializada que acontece nas Escolas na Modalidade de Educação Especial no Paraná não é excludente, é por meio dela que os estudantes têm avanços significativos no seu desenvolvimento, respeitando seu tempo de aprendizagem levando em conta suas potencialidades e sua singularidade”, defendeu a chefe do NRE.

Organização do ensino na Apae de Campo Mourão
Com 51 anos de fundação, a Apae de Campo Mourão é uma instituição socioassistencial que atua no âmbito da assistência social, educacional e da saúde. Mantém duas instituições de ensino na modalidade especial atualmente: a urbana – Escola Josephina Wendling Nunes –, que atende 200 estudantes da educação infantil e do ensino fundamental, e a rural – Escola Maria José Carneiro de Macedo –, com 256 alunos que são atendidos na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), fase I.
A diretora da Apae rural explicou que cada turma nas escolas tem, no máximo, 10 estudantes, para garantir um trabalho especializado, atendendo às necessidades de cada um. Ana Alice destacou, ainda, que ser professor na instituição vai muito além da profissão, em si. “Os nossos alunos são carentes de tudo, não estou falando só de financeiro aqui, mas de amor, de afeto, de atenção, e aqui a gente respeita cada um dentro das suas especificidades”, afirmou, acrescentando que isso demanda deles a oferta de qualidade de vida para os discentes. “Para muitos dos nossos alunos, a vida social deles é só aqui dentro da escola”, lembrou.
Na EJA, a organização das turmas não é feita por idade ou deficiência, mas pelo nível de desenvolvimento dos estudantes. Por exemplo, aqueles que já estão na fase da leitura, da escrita e que têm uma compreensão melhor da matemática são encaminhados às turmas academicamente mais desenvolvidas. “Também temos turmas intermediárias, que são aquelas que a gente trabalha a parte acadêmica, mas mais voltada para o prático, com atividades manuais”, disse, ressaltando que, ainda assim, os conhecimentos teóricos não são deixados de lado.

Os alunos, independentemente do grau de deficiência, também participam de diversas atividades, inclusive externas à associação. Muitos deles vêm se destacando, inclusive, nos esportes, por meio de participação em jogos escolares e olimpíadas. “Ano passado, trouxeram várias medalhas de ouro, representando o paradesporto não só da nossa escola, mas de Campo Mourão”, sinalizou a gestora.
Para atender adequadamente todos os 456 estudantes, pelo menos, 125 profissionais da Apae trabalham nas escolas, conforme apresentou o presidente da instituição, Luciano Rosa. Desses, aproximadamente 55 são docentes, além da equipe operacional, cozinheiros e zeladores. Todos os profissionais envolvidos atuam para que os estudantes tenham um amplo desenvolvimento não só visando à igualdade, mas a equidade, para que eles tenham condições de aprender, respeitando a singularidade de cada um, como lembrou Ana Alice.