Após polêmicas, CGH já está com 85% dos trabalhos concluídos

Mesmo após muita polêmica ao entorno de sua construção, a Saltinho Energias Renováveis já está com 85% dos serviços concluídos. Sediada no Rio da Várzea, na região do Barreiro das Frutas, em Campo Mourão, a Central Geradora Hidrelétrica (CGH) deve gerar 4,5MW. E terá investimentos de R$ 37 milhões. Nas últimas semanas, quem passou pelo local, se assustou com o novo cenário. Lá, grande parte da mata ciliar simplesmente, desapareceu.

A retirada das árvores já estava planejada. Para isso, contou com a aprovação do Instituto Água e Terra (IAT). De acordo com o chefe do órgão, Fabiano Viúdes, a empresa terá que recompor o local, assim que o projeto for finalizado. Segundo informou, o empreendimento detém todas as licenças e autorizações necessárias à sua implantação.

Natali Angélica Kleinke, Gerente Administrativa da empresa disse ontem que 85% da obra já está concluída, principalmente, por se tratar de um empreendimento pequeno e de baixo impacto. “Faremos a recomposição de toda a área de preservação permanente, com plantio de mais de 100 mil mudas, conforme o licenciamento da usina”, afirmou. A previsão é que a geração de energia comece a partir do próximo ano.

“A economia local está sendo beneficiada e serão gerados pela Saltinho cerca de 80 a 100 empregos diretos, com referência da utilização de mão de obra local”, destacou Natali. O município também será beneficiado com o aumento do seu coeficiente no Fundo de Participação dos Munícipios (FPM), em razão da receita gerada pelo empreendimento. “Estimamos algo em torno de R$ 4,5 milhões por ano de geração”, disse.

Uma vez concluída, a CGH deverá gerar energia suficiente para abastecer uma cidade com aproximadamente 11 mil residências – considerando o consumo médio mensal do Paraná (167 kWh/Mês). Natali afirmou que toda a energia será utilizada apenas no Paraná, em especial na região de Campo Mourão.

A obra suprimirá uma área de vegetação de 33 hectares, principalmente, à implantação do reservatório. “Ela será devidamente compensada mediante reposição florestal. A implantação da APP do lago, totalizando 63,76 hectares, possibilitará uma faixa de mata ciliar de 55 metros em todo o entorno, propiciando a manutenção e recuperação da fauna e flora local”, disse Natali. Segundo a empresa, durante a fase de supressão, uma equipe especializada no resgate de fauna e flora acompanhou os serviços, minimizando os impactos.

Polêmicas

Conforme a empresa, em dezembro de 2015, foi realizada uma reunião pública com moradores da região do Barreiro das Frutas. O convite foi realizado pessoalmente ou através de ligações, anúncios em rádios e jornais. Na ocasião o projeto foi esclarecido, assim como dúvidas, respondidas. Mesmo assim, muita polêmica sobre os impactos ambientais aconteceu.

Construída a 600 metros de uma aldeia Guarani, conhecida como Arandu Aty Ara, esta proximidade não é bem vista pelos indígenas. Uma das líderes, Nilza Maria Rodrigues, revelou na época que, os 22 indígenas do Barreiro das Frutas, dependem do equilíbrio da natureza para sobreviverem. E, com a obra, os impactos ambientais seriam grandes. “A destruição da mata e o desvio do rio, desequilibrarão a fauna e flora da região”, explicou.

São quatro famílias residentes na aldeia. E estão ali já, há 13 anos, após iniciarem uma busca ao passado. “Indígenas mais velhos pediram para retornar à Campo Mourão. Lá, em meio ao Caminho do Peabiru, se encontram muitos ancestrais enterrados. Nosso povo viveu nesta região há muitos anos. E foi por isso que compramos a propriedade ali”, disse Nilza. Segundo ela, uma vez represada, a água poderá desaparecer com resquícios indígenas ali existentes. E como de fato, já foram identificados.

De acordo com a empresa, uma das condicionantes para a licença era detectar possíveis artefatos indígenas ou não, enterrados na área. “Identificamos peças arqueológicas datadas entre 5 e 10 mil anos ali. Arcamos com a pesquisa. Arqueólogos fizeram um trabalho minucioso por 40 dias e resgataram todo o material. Ele foi entregue a Universidade Estadual de Maringá”, afirmou na época, um dos engenheiros da Saltinho.

Nilza é contra a construção da CGH, principalmente, por acreditar que as águas do rio da Várzea diminuirão ainda mais. “Muitos animais, como onças, também estarão condenados à morte. Sabemos que parte daquela mata desaparecerá”, disse. Segundo ela, a aldeia depende diretamente da flora ali existente, uma vez que a utilizam para colher ervas medicinais, assim como coletar matéria prima ao seu povo.

A apreensão dos indígenas fez com que parte da sociedade debatesse o assunto. Em 2020, o Conselho de Promoção da Igualdade Racial de Campo Mourão (Compir), promoveu uma conversa online. Um dos participantes foi o vereador e ex-presidente da Associação dos moradores do Barreiro das Frutas, Paulo Pilatti. “Sou a favor da construção da obra. Acredito que ela não irá afetar a aldeia”, disse.

Na ocasião, ele disse que não há como não ter impacto ambiental e social em uma obra deste porte. No entanto, acreditava que os impactos positivos seriam bem maiores que os impactos negativos. “O ganho da comunidade, da aldeia, e da cidade serão maiores que algumas ações consideradas danosas ao ambiente regional local e à sociedade local”, disse. “Não tem como fazer uma omelete sem quebrar os ovos”, resumiu.

Especialista

Geógrafa e professora de mestrado da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Maristela Moresco Mezzomo, foi enfática: ela é contra a construção, principalmente, porque o estado é mais que auto suficiente na produção de energia hídrica. “O Paraná produz muito mais energia do que utiliza. Exportamos energia. Não precisamos transformar nossos rios em represas de empresas privadas”, disse.

Estudiosa no assunto, ela revelou em 2020 que o estado mantinha 62 usinas de geração de energia, divididas entre grandes, médias e pequenas. Para ela, não bastasse todo o impacto ambiental já sofrido pelos rios, outros 213 projetos seguiam em análise. “A pergunta que faço é: que município queremos. Um município que defende a cultura e poderia potencializar isso por meio de geoturismo e turismo sustentável ou um município que tem 3 usinas”? “A questão que defendo é potencializar outras atividades sociais, culturais, ambientais e econômicas, sem precisar construir PCHs”, disse Maristela.

Dinheiro

Secretário de Finanças e Orçamento da prefeitura de Campo Mourão, Aldecir Roberto disse que a geração de energia das duas outras usinas do município, geram recursos aos cofres públicos. “Através da produção de energia elétrica gerada em Campo Mourão, temos agregados cerca de R$ 113 milhões (ano de 2022), junto à base de cálculo do ICMS”, explicou.

Segundo ele, apesar de não saber precisar, agora, a Saltinho deverá impulsionar ainda mais os recursos ao município. Os valores produzidos se somarão ao valor adicionado da indústria, com base de cálculo do ICMS. “Quanto ao valor, não tenho como estimar. Esse é um cálculo feito pelo Estado”, disse.

Ministério Público

No entanto, mesmo com a obra quase concluída e, com todas as licenças ambientais em dia, ainda resta uma última Ação Civil Pública, em trâmite e, em fase de julgamento. De acordo com a promotora Rosana de Sá Araújo, o Ministério Público de Campo Mourão ingressou com um pedido de remoção de ilícito. Em resumo, o MP questiona a ausência de estudos de impacto ambiental do empreendimento. A ação conta com o respaldo do Núcleo de Pesquisa em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura (Nupelia) de Maringá.