Associação Tagliari completaria 45 anos se ainda existisse

Os irmãos Tagliari sempre foram os “donos” da bola em Campo Mourão. A bem da verdade, craques dentro das quatro linhas. Sem maiores pretensões começaram a saga jogando no fim da década de 1960, cada um em uma equipe da cidade. E isso, definitivamente, não era bom. Quando se reuniam na hora do almoço, na mesa da família, a briga era inevitável. Cada um defendia sua equipe. Cansada das discussões, a mãe Íris implorou para que fizessem uma promessa: “que jogassem juntos, no mesmo time”. E assim aconteceu. Os conflitos terminaram e os meninos iniciaram uma história sem precedentes.

Então, já nos anos 70, os irmãos – Wanderlei, Itamar, Carlos e Luiz – montaram o time Tagliari. Faturaram diversos títulos, ganharam tudo. E acabaram sendo reconhecidos pelo grande talento nas quadras. Mas, com diferentes caminhos a seguir, cada um decidiu caminhar sozinho. Itamar Tagliari perseverou na ideia do futsal. E em 1980, numa conversa com o pai, Itacir, decidiu montar uma escola de futsal. Era um projeto modesto, sem grandes objetivos, mas que buscava a formação de atletas.

Escolinha durou 24 anos. E colaborou para formar cidadãos

No início eram apenas 12 meninos. Mas com o tempo, chegaram a 300. Divididos em categorias, somaram mais de mil ao longo dos anos. Itamar acompanhava todos os passos da Associação Tagliari. Era o treinador, o chefe, o tio, o marqueteiro. Acima de tudo, era um disciplinador. Todos os dias, antes dos treinos, falava sobre os males do cigarro, da bebida, drogas. Não se esquecia de mencionar a educação, o respeito aos pais. De uma forma geral, os meninos tinham que estudar e respeitar seus pais. Era pegar ou largar. E como a sede de bola era maior, eles aceitavam as normas.”

Itamar jamais almejou enriquecer com a “escolinha”. Ao contrário. Era apenas uma ideologia. Um simples sonho entre pai e filho. A ideia deu certo e os resultados logo apareceram. Respeitado e, com os garotos na mão, os títulos foram aparecendo. Foi campeão paranaense por inúmeras vezes, em todas as categorias. Chegou a defender o Paraná em torneios brasileiros. Com o conhecimento adquirido, trouxe à Campo Mourão equipes como São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Vasco da Gama. Itamar deixou um rastro de paixão e história no futebol. E nesse contexto não é exagero dizer que o nome Tagliari despertava medo nas outras equipes.

“Eu tinha um açougue na época. Tirava dinheiro de lá para injetar na escola. Nunca quis envolver o futebol com dinheiro”, disse ele. Além disso, Itamar lembra que tinha uma parceria muito boa com os empresários. Recebia patrocínio para as camisas e ônibus para viajar. Mas ele também revela um sonho jamais realizado: queria ter um ginásio, com condições ideais aos atletas. “Infelizmente nunca consegui isso. Se fosse para ter hoje, só ganhando na mega-sena mesmo”, brincou.

Itacir Tagliari ao lado dos netos, Carlinhos, Itamar e Flávio

Psicologia inversa

A verdade é que Itamar, ou o “Tio Itamar”, jamais entrou em quadra para perder. Inteligente, sempre dobrou os meninos para aprenderem a jogar. Estava no sangue da família. Certa vez, na Taça Independência em Londrina, início dos anos 80, a equipe “Fraldinha” de Campo Mourão seria campeã do torneio caso ganhasse a última partida contra o Corinthians. No entanto, se a Tagliari perdesse, a equipe campeã seria a dona da casa, Londrina.

Antevendo a reação da torcida, Itamar reuniu os meninos no vestiário e usou a psicologia invertida. Disse que os torcedores iriam gritar em favor de Campo Mourão. Que todos queriam ver a Tagliari vencer. Então, que sorrissem e fizessem gestos positivos à arquibancada. Assim que a molecada entrou em quadra a plateia começou a gritar. Mas não eram incentivos. Eram vaias mesmo. Pensando o contrário, os meninos nem sentiram a pressão e venceram a partida. De lambuja ainda ficaram com o título. Coisas de Itamar.


Um dos primeiros alunos

Guilherme Menin Gaertner, ex-morador de Campo Mourão e, hoje, no mercado financeiro de São Paulo, foi um dos primeiros alunos da escolinha Tagliari. Apaixonado por futebol, já aos sete anos, 1979, iniciou sob as asas de Itamar. “Antes de entrar eu jogava na rua. Depois passei ao futsal”, disse. Um ano após integrar a equipe, já faturava o primeiro título, como campeão paranaense, num torneio de poucos times, em Campo Mourão.

Literalmente vestindo a camisa da Tagliari, foi campeão mais uma vez, agora em 1982, com várias equipes na disputa. “Lembro que fizemos a final contra o Guarapuava. Ganhamos por dois a um. Fiz um dos gols.” Guilherme se recorda que os treinos aconteciam na quadra da própria escola, inaugurada em 1980, na esquina da Avenida Goioerê com a Rua Francisco Albuquerque. Também não se esquece dos jogos no Ginásio JK, quando a arquibancada era repleta de torcedores. E cujos vestiários ali, cheiravam a gelol.

“Viajamos o Paraná inteiro. Eram muitas viagens, principalmente, para Londrina”, disse. Mas como tudo acaba, sua participação foi encerrada anos depois, quando foi morar e estudar em Curitiba. E mesmo quase 40 anos depois de tudo, ainda não se esquece das lições adquiridas. “Tivemos muita disciplina e ética. Aprendemos a respeitar os adversários e o treinador. Aliás, Itamar e a família dele eram uma grande referência a todos nós. Eu tinha muito orgulho e respeito de jogar na Tagliari. Definitivamente, foi uma camisa bastante imponente na época.”

O pai, Itacir, ao lado dos filhos, Itamar, Wanderlei, Luiz e Carlos Tagliari

O tormento de Palmital

Nos anos 80 Itamar foi convidado a levar quatro categorias da Tagliari à Palmital – cerca de 180 km de Campo Mourão. Lá, os amistosos fariam parte das comemorações do aniversário do município. Convite feito, convite aceito. Então, com a ajuda dos “PAItrocinadores”, um ônibus foi locado. Todos à postos, a viagem aconteceu.

Os atletas chegaram à tarde. E quando desembarcaram, a praça central estava repleta de gente. Sim, a praça. Nela, havia uma quadra de futsal, sem cobertura e cujas arquibancadas estavam a menos de um metro das linhas. A primeira partida aconteceu entre os meninos da categoria fraldinha. E, quando se viu, a Tagliari já vencia por cinco ou seis a zero. Não prestou.

Os torcedores começaram a vaiar e até hostilizar os garotos mourãoenses. Então, Itamar pediu que os meninos tirassem o pé do acelerador. A associação ganhou o jogo. Mas o aviso dos torcedores indicava que as próximas disputas seriam, digamos, mais pesadas.

O próximo amistoso aconteceu com o pré-mirim. E mais uma vez, a Tagliari deslanchou no placar. Não prestou. Nervosos, alguns torcedores perderam a razão e começaram a vandalizar o ônibus da delegação de Campo Mourão, quebrando os faróis dianteiros e traseiros. Enquanto isso, na quadra, o jogo continuava.

Num lance lateral – que antes se cobrava com as mãos –, um atleta mourãoense segurava a bola sobre a cabeça quando um torcedor abaixou o seu calção. Uma humilhação sem precedentes. Todos os demais torcedores, ao invés de retrair o sujeito, o aplaudiram, sob risos e gargalhadas. Receosos do que poderia ali acontecer, o time mourãoense perdeu o jogo propositalmente. E assim aconteceu com os outros dois que viriam pela frente. Para piorar toda a situação, o coletivo retornou à Campo Mourão à noite, sem os faróis. Itamar foi ao lado do motorista, com uma lanterna.


Itamar pretende abrir visitação ao acervo da Associação Tagliari

Escolinha durou 24 anos

Itamar conta que a escolinha foi fundada mesmo em 1979. Um ano depois, 1980, ele adquiriu um terreno onde foi construída a sede da associação. Lá, além de uma sala voltada aos troféus, também era o local dos treinos dos garotos da equipe. O espaço permaneceu ali até o início dos anos 90. Nesta época a Tagliari parou os trabalhos, retornando anos depois, em meados de 2000. Então, até 2004, a escolinha funcionou na Rua São José, sob um prédio que hoje não mais existe.

“A escolinha durou 24 anos. Se estivesse até hoje seriam 45 anos. Mas infelizmente, o projeto acabou”, explicou Itamar. Segundo ele, nos anos 2000 já existiam outras escolas na cidade. Hoje são seis. E já não tão mais animado, fechou as portas. Hoje, todo o acervo da associação continua guardado. Na verdade, um pequeno museu sobre a história do futsal mourãoense. São livros com recortes de jornais, álbuns com fotografias, além de centenas de troféus. Tudo guardado no apartamento que era da mãe dele, Íris.

“Este ano ainda vamos arrumar um espaço para que todos possam visitar o acervo da Tagliari. Tanto do time da família como o da escolinha”, informou Itamar. A verdade é que, mais que uma memória, o feito da Tagliari o emociona até hoje. Para ele, o processo o ajudou em muitas coisas na vida, a começar com a educação dos próprios filhos, até a entender melhor as crianças. “Pra mim foi um grande aprendizado. E o gostoso é ouvir que quase todos os meus alunos estão bem hoje. São médicos, advogados, empresários. Todos caminharam corretamente”, ressaltou.