Em 30 de setembro de 1999, o ‘iluminado José’ se encontrava em meio a um assalto ao carro forte

PR 317, localidade de Mandijuba, Engenheiro Beltrão. Eram 8h30 da manhã de 30 de setembro de 1999. Naquele dia, os irmãos José e Carlos retornavam da Ceasa de Maringá com a Kombi lotada. Legumes e hortaliças abasteceriam o supermercado da família, em Campo Mourão. Mas o que seria uma manhã tranquila, como todas as outras, se transformou num caos. Cenas de guerra. E reais.

José dirigia a Kombi. Carlos, era o passageiro. Após atravessarem a ponte do Rio Ivaí, quase ao chegar a Mandijuba, notaram uma camionete atravessada sobre a pista. E sobre ela, elementos encapuzados portando metralhadoras e fuzis. Não prestou. Os irmãos foram os primeiros a dar de cara com o assalto. E, a cena era o prelúdio de que algo de ruim aconteceria. E aconteceu.

A quadrilha havia preparado uma emboscada a um carro forte, que vinha em sentido contrário. Com as armas apontadas contra a velha Kombi, José a parou no acostamento. Ao mesmo tempo, os bandidos iniciaram rajadas de tiros contra o blindado, que chegou exatamente naquele instante. Com a ação, o carro forte também acabou no acostamento, mas do lado esquerdo.

Entre tantos disparos, um deles adentrou pelo farol da Kombi, atingindo o pé de José, rasgando um dos paralamas e ficando alojada em um saco de cebolas, na parte traseira. Ferido, com medo e agora, desesperado, José mandou o irmão deixar o carro. Juntos, saíram pela direita, ao lado do acostamento. O pavor foi tão grande que se esqueceu de desligar o veículo. E, mesmo sob fogo cerrado, seguiram abaixados até as rodas de um caminhão, também parado.

“Levei um tiro”

“Disse ao meu irmão que havia levado um tiro. E o sangue escorria. Ficamos escondidos atrás da roda daquele caminhão. E quando vimos, dois daqueles elementos passaram pertinho da gente, segurando armas pesadas. Entraram na Kombi e a levaram”, lembra José. O veículo foi utilizado por cerca de 60 metros, até o carro forte. Lá, os homens a largaram no acostamento. Então, feriram e renderam os vigilantes, levando todo o dinheiro. Muito dinheiro.

Com a cessar dos tiros, os irmãos perceberam que a ação havia terminado. Então pediram ajuda a um dos motoristas, enfileirado na pista. “Lembro que pedi ajuda. Ele estava deitado na pista. E me disse que se encontrava em estado de choque. Que não conseguia sair dali”, lembrou José. Outro motorista, de Goioerê, prestou socorro e os deixaram junto a Kombi.

Agora, a bordo do seu veículo, Carlos pegou a direção e perguntou ao irmão se iriam buscar um hospital em Maringá ou Campo Mourão. Com a decisão de voltar à cidade, rumaram até a Central Hospitalar. José foi atendido imediatamente. O disparo rasgou um dos pés e, por um centímetro, não teve que passar por uma amputação. “Fiz uma cirurgia de emergência e acabou dando tudo certo”, disse.

No mesmo dia, ao retirar os produtos da Kombi, Carlos encontrou o projétil num dos sacos de cebola. E até hoje, José o mantém guardado em casa. Uma lembrança nada agradável daquela manhã de terror. “Eu não tenho pesadelos com aquele dia. Mas toda vez que passo por ali, um filme volta na minha cabeça”, afirmou.

Hoje, com a cabeça tranquila, José acredita que ele e o irmão, de certa forma, atrapalharam os planos da quadrilha. “Acredito que eles queriam parar os carros antes da ponte. Mas acabamos vindo praticamente junto a camionete deles. Tanto é que se preocuparam com a gente, e por isso, nem tiveram tempo de esticar a cama de faquir na pista, para furar os pneus do carro forte”, disse José.

José Luiz Marques, hoje aos 62 anos, revela que esta foi a última vez que foi a Ceasa de Maringá. Um mês antes do episódio, em agosto de 99, foi a primeira. Naquele dia, um caminhão jogou a Kombi em que dirigia para fora da pista. “A primeira não foi boa. A segunda, pior ainda. Então nunca mais fui”, explicou.

Descendente de portugueses, José conta que os pais nasceram e se casaram em Portugal. E em 1957 vieram ao Brasil. Aqui, se estabeleceram em Borrazópolis, norte do Paraná, onde mantinham um pequeno hotel. Mais adiante, em 1961, pararam em São Lourenço, em Araruna. E, por fim, hastearam a bandeira definitiva em Campo Mourão, em 1968. Já, com quatro filhos, o pai abriu um “secos e molhados” na esquina da Avenida Goioerê com a Rua Pitanga, o Comercial São Francisco, que durou até meados dos anos 80.

Ainda crianças, os filhos ajudaram os pais no armazém. E, com o tempo, acabaram montando o próprio mercado, por volta de 1986, o Supermercados Center. Hoje a mãe está com 95 anos. O pai morreu em 1999. Além do mercado, José é dono também de uma loja de roupas, ao lado da esposa. Ele é palmeirense e acredita muito em Deus.

Iluminado

O episódio em que se meteu no meio ao assalto do carro forte e, de certo modo, saiu vivo, não foi o único de seu vasto curriculum de “luminosidade divina”. Conta que há cinco anos começou a perder o apetite. Quase sem comer, perdeu peso. Ao buscar orientações médicas, descobriu ter no estômago pólipos de até 2,5 centímetros. Eram as deixas as más notícias. Ainda mais com a cara de preocupação do médico. Dias depois saem os resultados da biópsia: nada. Não eram estruturas agressivas. Eram pólipos benignos. Ele fez então uma endoscopia e os retirou. E a vida seguiu.

Em dezembro de 2021, ainda sob normas da pandemia, José trabalhava normalmente quando sentiu uma queimação nas costas, seguida por uma espécie de “rasgamento interno”. Com fortes dores e um mal estar absurdo, buscou o hospital. A médica plantonista era uma cardiologista. E era tudo o que José necessitava. Avaliado, ela descobriu que ele estava infartando, com veias comprometidas por trombos. “Fui salvo novamente. No outro dia fiz a operação e deu tudo certo”. “Eu também acredito que seja iluminado, um abençoado”, admite José.

A ação

No dia 30 de setembro de 1999, os assaltantes pararam o carro forte com tiros de metralhadora anti carro, calibre 30, de uso exclusivo das Forças Armadas. Os vigilantes tentaram reagir. Mas desistiram após serem ameaçados com granadas. Cinco assaltantes, sendo quatro de São Paulo e um do Mato Grosso foram presos no mesmo dia. Depois de 48 horas de cerco, a polícia localizou outros quatro elementos numa mata de Ivailândia. Na troca de tiros, dois foram mortos. Um preso e o outro fugiu.

No local a polícia também encontrou malotes com dinheiro além de farto armamento. Na época, foi levantado que alguns membros da quadrilha – que poderiam totalizar 20 – moraram em Maringá, seis meses antes da ação. Ao todo, a quadrilha levou quase R$1 milhão.

Na fuga, os elementos adaptaram um caminhão tanque. Ele continha colchões, ventiladores, armas e coletes à prova de balas. O veículo foi encontrado no mesmo dia, estacionado em um posto de combustíveis. Três dos cinco presos detidos naquele dia estavam ali escondidos.

Dinheiro recuperado foi levado ao 11º BPM Campo Mourão