Engenheira de tráfego reflete sobre uso dos termos ‘acidente’ e ‘sinistro’ no trânsito
No contexto do Maio Amarelo, campanha nacional de conscientização sobre segurança no trânsito, a TRIBUNA conversou com a engenheira civil e de tráfego Cristiane Razzini, servidora pública de Campo Mourão há 12 anos e especialista na área com 9 anos dedicados à Diretoria de Trânsito da Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade Urbana no município. Ela trouxe importantes reflexões e dados locais que ajudam a compreender os desafios e avanços para tornar o trânsito da cidade mais seguro para todos.
A adoção da denominação “sinistro” para certas ocorrências no trânsito no lugar de “acidente” foi adotada oficialmente pelo Código Brasileiro de Trânsito (CTB) em 2023, por meio da promulgação da Lei nº 14.599. Apesar da mudança recente, a terminologia considerada mais precisa e realista já havia sido redefinida em contextos técnicos e estatísticos na Norma Brasileira 10697/2020 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
A engenheira de tráfego destacou que essa diferenciação ganhou força por meio de reivindicações de diversos movimentos engajados na segurança viária. Isso porque a palavra “acidente” carrega uma conotação de evento inevitável e não intencional, um acontecimento acidental, o que muitas vezes minimiza a responsabilidade dos envolvidos. “A utilização do termo ‘acidente’ é inadequada, pois ignora que 90% dos eventos têm fator humano como causa principal, e desconsidera que são evitáveis”, disse.
Por isso, a adoção do termo “sinistro de trânsito” é vista como um avanço essencial. “‘Sinistro’ enfatiza a natureza danosa do evento e, crucialmente, sinaliza a sua evitabilidade. Ao reconhecermos que a maioria das ocorrências no trânsito não são meros ‘acidentes’, mas sim o resultado de fatores identificáveis e, portanto, controláveis, abrimos caminho para a implementação de medidas preventivas mais eficazes e para a responsabilização dos envolvidos”, refletiu.
Para ela, a discussão em pauta não se refere, portanto, a uma mera mudança na nomenclatura. Cristiane acredita que esse é um importante passo para a construção de uma cultura de segurança viária mais consciente e responsável em Campo Mourão, assim como em todo o país. “Estou convicta de que o envolvimento e a cooperação de todos – e aqui me refiro a motoristas, pedestres e à consideração pela segurança dos animais – nos permitirão reduzir substancialmente o número de ocorrências danosas no trânsito”, falou.

Dados em CM e desafios no trânsito
Segundo dados do DataSus, Campo Mourão registrou 22 óbitos no trânsito em 2023 e, em 2024, houve uma redução de aproximadamente 13,64%, totalizando 19 óbitos. Apesar da diminuição, ainda é comum o registro quase que diário de sinistros, com e sem gravidade, no município. A especialista destacou que os números reforçam a importância do trabalho contínuo para reduzir fatalidades, especialmente entre pedestres, motociclistas e ciclistas, que costumam ser os mais atingidos.
Conforme a engenheira, o principal desafio ainda está na cultura local e na forma como as leis de trânsito são encaradas pela população. “Vejo como um problema cultural, onde a efetividade das leis de trânsito parece depender da fiscalização punitiva, com multas. Frequentemente, o cumprimento ocorre apenas para evitar autuações, desviando o foco da real finalidade das normas: criar um ambiente seguro e organizado”, argumentou. Essa falta de internalização da responsabilidade no trânsito faz com que muitos motoristas desrespeitem pedestres e outras normas, sem reconhecer que todos têm papel ativo na segurança viária.
Cristiane destacou também a necessidade de uma mudança de paradigma na prioridade dada ao transporte. “A lógica da Mobilidade Urbana preconiza uma inversão dessa prioridade: o transporte não motorizado (bicicletas e pedestres) e o transporte coletivo devem ter precedência sobre os veículos individuais”, afirmou. No entanto, essa transformação enfrenta resistência porque muitos ainda não veem as vias públicas como espaços para a circulação de pessoas, e não apenas de veículos.
Não raro, Cristiane escuta relatos e vê notícias que descrevem o trânsito de Campo Mourão como “caótico” e “problemático”. No entanto, ela considera que, na maioria dos casos, a infraestrutura está adequada e que as causas dos sinistros estão ligadas a comportamentos imprudentes, como o uso de celular ao volante e o desrespeito à sinalização.
Ela reforçou que, embora o poder público tenha papel essencial na promoção da segurança por meio da engenharia, educação e fiscalização, o trânsito é feito por pessoas. Ou seja, a segurança viária depende de escolhas individuais conscientes. “Respeitar a sinalização de trânsito não é uma opção, é obrigação de todos!”, alertou Cristiane.
Pilares: fiscalização, engenharia e educação
Cristiane enfatizou que, além da mudança cultural, é fundamental uma atuação integrada baseada nos três pilares da segurança viária: engenharia, educação e fiscalização. Em Campo Mourão, o Plano de Mobilidade Urbana traça diretrizes para modernizar o sistema viário, priorizando pedestres, ciclistas e transporte coletivo.
O plano, com cronograma de execução para curto, médio e longo prazo em período de 10 anos, inclui ações como redefinição do sentido de circulação veicular através da implantação de binários, desenvolvimento da infraestrutura cicloviária, melhorias em interseções, promoção da acessibilidade universal, fiscalização eletrônica sistemas redutores de velocidade e outras.
Já a fiscalização, apesar de punitiva, tem um papel preventivo importante. “A mera presença de agentes de trânsito nas vias induz maior atenção e conformidade com as regras. A fiscalização funciona como um lembrete constante da necessidade de respeitar as normas, reforçando condutas seguras no trânsito”, afirmou Cristiane.
No campo da educação, a cidade investe em ações diversificadas, desde atividades nas escolas e blitzes educativas, até palestras e uso de simuladores. Cristiane comentou sobre sua experiência em palestras realizadas na Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho (SIPAT) de empresas locais, onde aborda temas como mobilidade humana, fatores de risco e tecnologias de trânsito. Uma dessas palestras está sendo usada para capacitar cerca de 12 mil funcionários em filiais de empresas no Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul durante o Maio Amarelo.
Ela também chamou a atenção para a responsabilidade compartilhada por todos no trânsito, ressaltando que, embora o poder público possa garantir infraestrutura adequada, a decisão de respeitar a sinalização e as leis depende de cada cidadão. “O trânsito é um sistema composto por pessoas. A responsabilidade por um trânsito mais seguro é de todos – motoristas, motociclistas, ciclistas ou pedestres”, orientou.
Projeto “Trânsito Vivo”
Recentemente, Cristiane iniciou um projeto educacional independente, denominado “Trânsito Vivo”. O objetivo é promover a educação e a conscientização no trânsito por meio de textos informativos e acessíveis à população.
Publicados no espaço “Tribuna Livre” da TRIBUNA, os conteúdos em forma de artigo abordam temas como segurança viária, mobilidade urbana, sustentabilidade, inovação e educação no trânsito, alcançando não apenas motoristas, mas também pedestres e demais usuários das vias.
Motivada pelos grandes índices de sinistros e pela falta de fontes confiáveis e acessíveis para esclarecer dúvidas cotidianas sobre o trânsito, Cristiane apostou na informação como ferramenta para transformar a mobilidade urbana em algo mais seguro e humano.
Para acompanhar as publicações dos artigos da engenheira, assim como de outros autores, os interessados podem acessá-los em https://www.tribunadointerior.com.br/coluna/tribuna-livre/.