Estela. Lenilda. Confinadas por um novo mundo

Estela Ronchi Hoffman está com 83 anos. Viúva, mora com uma das filhas, Eloísa. Tinha uma vida normal a tantos outros brasileiros. Mourãoenses. Isso até meados de março. Foi quando tudo começou: o vírus. De lá pra cá, a realidade misturou-se à ficção. E, como num filme, os costumes mudaram. Estela deixou de ir à igreja. Visitar os vizinhos. Receber amigas. Ir ao mercado. Enclausurou-se dentro do próprio lar. E, mesmo diante de tudo, não se vê em meio a um castigo. Apenas, uma precaução. O mundo de hoje, certamente, não é mais o mesmo. E, aproximar-se das pessoas, passou a ser um desafio.

Conta Estela que está consciente da vida atual. “Eu não tenho medo de morrer, não. Tenho medo é desta doença”, explica. Então, o jeito foi o confinamento. Além dela mesma aceitar ficar em casa, os filhos a patrulham. Uma blitz todos os dias. Para passar o tempo, faz suas leves caminhadas no próprio quintal. Anda pra lá e pra cá. Num vai e vem tranquilo. Sem pressa. Apenas degustando a brisa do vento “calorento”. Ela não sabe quanto mais tempo permanecerá em casa. Depois de uma vida inteira de liberdade, agora está “aprisionada”. 

Lenilda

Uma contradição marcou a vida de Lenilda de Assis. Presidente do Conselho Municipal de Saúde, como voluntária, preferiu não encarar o vírus. Com alto grau de risco, foi obrigada a fazer o trabalho dentro de casa. Cardíaca, diabética e hipertensa, não sai desde o mês de março. Uma tortura a quem sempre foi bastante ativa. “Se o coronavírus me encontrar, danou-se”, brinca ela. 

Na verdade, Lenilda saiu de casa apenas três vezes. Todas dentro do carro do filho. Nem a janela foi aberta. Para olhar as ruas. E, de certa forma, verificar que a vida ainda existe lá fora. Ela está com 65 anos. É pedagoga e sanitarista aposentada. Diz se sentir no interior de uma tela do cinema. Enraizada a um filme de ficção científica. “A população está apreensiva e com medo. Mas não vemos medidas sanitárias eficazes. Fortes para conter a contaminação”, diz. 

E a sua preocupação não é à toa. Para voltar a uma vida normal, ela depende das outras pessoas. “Dependo da ação de outros para me manter viva”, acredita. Para ela, os índices precisam diminuir muito para tornar viável as suas saídas da casa, sem riscos á própria saúde. Uma outra opção é a vacina. Mas para quando? “É muito angustiante acordar todo dia e o cenário da pandemia permanecer o mesmo. Ou pior”, disse. 

Desde março, Lenilda vem exercendo seu trabalho a distância. Utiliza a internet, telefone e, também acompanha a evolução da doença de casa. Quando há necessidade em elaborar documentos e, ainda, precisa assiná-los, um funcionário do Conselho vai até ela. “Desde o início da pandemia, tenho ficado em isolamento e distanciamento social.  Está sendo muito difícil ficar assim, sem contato diário com a vida nas ruas. Eu gosto de andar a pé pela cidade e sinto falta disso. Em participar das atividades presenciais nas reuniões. Mas o que mais me deixa triste é o motivo pelo qual preciso ficar em casa”, disse. 

Desabafo

“O coronavírus me preocupa muito. Não penso apenas em mim. Penso no que está acontecendo no mundo. A todo momento morre alguém de Covid. Próximos ou não. A sensação é a mesma. Desolação. Eu nunca poderia imaginar que depois de aposenta e de ter trabalhado a vida toda na Saúde Pública, iria viver uma situação dessa. Eu tenho consciência da gravidade da situação e isso me faz refletir todos os dias. O desejo de sobreviver à pandemia me mantém forte. Eu tenho esperança de estar com vida quando chegar a vacina e poder ter minha liberdade de ir onde quiser, de volta”, desabafou Lenilda.