Exemplo de superação, Santinha Alves ingressou na universidade aos 70 anos

Maria Alves do Santos, mais conhecida como Santinha, é uma inspiração para todos, sobretudo para as mulheres. Embora as situações da vida a fizeram adiar o sonho de fazer uma faculdade, ela não desistiu de torná-lo realidade. Considerando que “nunca é tarde para realizar e alcançar um sonho”, como destacou Santinha, aos 70 anos de idade, ela ingressou na Universidade Estadual do Paraná (Unespar), campus de Campo Mourão, para cursar Pedagogia. Hoje, após já ter completado 71 anos, a acadêmica já concluiu o primeiro ano do curso. Não por acaso, a TRIBUNA traz, neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a história dela para compartilhar.

Tudo começou quando Santinha conheceu o Centro de Apoio e Desenvolvimento do Idoso (Cadi), um projeto de extensão da Unespar, após uma amiga comentar ele. A colega disse que elas poderiam fazer curso de artesanato, como aprender a bordar, para se ocuparem. Logo no primeiro contato com a universidade para participar das atividades, ela foi surpreendida. “No primeiro dia que eu cheguei aqui [Unespar], o diretor veio conversar com esse pessoal da melhor idade e perguntou quem gostaria, depois de muito tempo que não estuda, fazer uma faculdade”, comentou, ao acrescentar que ela logo se manifestou.

Na mesma hora que ela demonstrou interesse, também demonstrou preocupação e disse ao diretor: “Mas só tem um problema: faz mais de 25 anos que não vou para a escola; eu não tenho noção de como é entrar em uma faculdade e prestar um vestibular”. O docente logo a tranquilizou e disse que, se era o que ela queria, seria capaz.

O sonho de Santinha era fazer o curso de Ciências Contábeis. No entanto, a sobrinha fez um alerta de que essa faculdade exigiria bem mais dela, visto que não tinha nenhuma experiência no ramo. Assim, como a tia queria tanto entrar na graduação, a sobrinha sugeriu que ela fizesse Pedagogia, visto que tinha magistério e atuado na área de educação. Santinha concordou.

Pouco tempo depois, com a ajuda da sobrinha, Santinha se inscreveu para o vestibular especial e fez o Processo Seletivo de Ingresso – que tem como objetivo preencher as vagas remanescentes do Processo Seletivo de Ingresso do vestibular anterior, que não teve todas as vagas completadas. Para pleitear uma oportunidade de entrar em um dos cursos disponíveis, os candidatos devem fazer uma redação.

A turma em que a graduanda estuda, na Unespar de Campo Mourão, é formada por 20 alunos

Santinha fez, passou na primeira tentativa e já até concluiu o primeiro ano de Pedagogia. “Já passei de ano”, expressou, empolgada e com satisfação. “Eu estou amando o curso, não esperava que ia ser tão bom assim”, ressaltou, ao informar que isso não quer dizer que não enfrente dificuldades para entrar no “ritmo” dos estudos. A turma de 20 alunos que, conforme ela mencionou, é formada majoritariamente por jovens entre 18 e 25 anos, a acolheu muito bem.

Apesar de já considerar essa uma conquista, a acadêmica permanece com o grande sonho de fazer contabilidade. “Terminando Pedagogia, eu acho que ainda tenho vontade de fazer Ciências Contábeis”, revelou. Ao olhar para trás e ver tudo o que Santinha passou, ela falou com emoção do apoio que vem recebendo, sobretudo da coordenadora do Cadi, professora Divania Luiza Rodrigues. “Ela é uma pessoa muito competente, humana, sábia. Eu devo muito a ela”, afirmou, agradecida, ao dizer que, se não fosse esse projeto, dificilmente ela teria entrado na faculdade.

Há cerca de 4 meses, Santinha atua como bolsista no Cadi, auxiliando as participantes e planejando as ações do projeto

De participante à bolsista do Cadi

Graças ao Programa Institucional de Apoio à Inclusão Social, a discente concorreu a uma vaga para participar do Cadi, agora como aluna bolsista, pela Fundação Araucária. Após fazer uma entrevista, ela foi selecionada e já atua no projeto há 4 meses.

O fato inédito na Unespar de Campo Mourão de ter uma bolsista aos 70 anos gerou surpresas. A nova bolsista disse que a pessoa que recebeu a documentação dela estranhou e até chegou a entrar em contato com o setor responsável, dizendo: ‘eu acho que tem uma ficha aqui que parece ter havido algum engano, por causa da idade’, contou a estudante, aos risos.

Com toda a nova dinâmica na vida de Santinha, ela precisou mudar totalmente a rotina para conciliar com a vida de universitária e pesquisadora. No período da manhã, a estudante faz a graduação. À tarde, volta para a faculdade para aturar no Cadi, por 4 horas diárias. A bolsista é responsável por acompanhar as senhoras que participam do projeto, auxiliá-las nas atividades artesanais, planejar e buscar parcerias para desenvolver oficinas, palestras, entre outras atribuições.

Aos 18 anos de idade, Santinha começou a atuar como professora na rede municipal em uma zona rural de Janiópolis

História de vida e a relação com a educação

Nascida no dia 1º de novembro de 1952, em Pernambuco, aos 4 anos de idade, Santinha mudou-se para o Paraná com a família, inicialmente, no município de Sertaneja, região metropolitana de Londrina. Com aproximadamente 14 anos de idade, a família foi morar em Janiópolis, onde Santinha viveu por mais de 30 anos. Atualmente, ela reside em Campo Mourão.

Não é de hoje que Santinha tem uma relação com a área da educação. Aos 18 anos de idade, começou a atuar como professora na rede municipal em uma zona rural de Janiópolis, onde viveu por cerca de 30 anos. Na época, ela cursou, no chamado 2º grau, o antigo básico em administração de empresas e, posteriormente, o magistério.

Após concluir os estudos, por volta de 1972, Santinha saiu das escolas rurais para entrar na Secretaria Municipal de Educação, como inspetora de ensino, o que equivale atualmente à função de secretária, conforme comentou. Por questões pessoais, ela não deu sequência aos estudos e acabou saindo da área da educação. Em seguida, começou a trabalhar na saúde pública do município, chegando, concomitantemente, a atuar no Pronto Socorro de Campo Mourão.

Apesar da vida agitada, o sonho de Santinha de entrar na faculdade permanecia adormecido. “Naquela época, era muito difícil. Além de ser difícil para você se deslocar da cidade pequena, ou morava no interior, era difícil também porque as faculdades eram todas particulares”, lamentou.

Mas esse não era o único sonho que ela tinha. “Nesse intervalo, meu sonho também era fazer carteira de motorista”, contou. Essa foi uma das grandes conquistas de Santinha depois de muito tempo: tirou a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) aos 50 anos de idade. “Com quatro meses, eu já fui até para São Paulo dirigindo”, falou, com alegria.

Diante de alguns obstáculos, como sua mãe precisava de atendimento médico frequente, Janiópolis não estava mais suprindo as necessidades da família. Com isso, Santinha se mudou para Campo Mourão, onde já vive há mais de 4 anos. Mãe solo de um casal de filhos, Santinha tem 2 netos e criou dois sobrinhos, que hoje moram com ela, junto com o neto mais velho.

Durante toda a minha vida, dediquei-me ao cuidado da minha família, sendo mãe solo e trabalhando fora. Sempre nutri um sonho de fazer faculdade e, agora, me sinto realizada. Independentemente da idade ou adversidades, o importante é seguir firme no seu propósito e nunca desistir”, declarou.

Por que Santinha?

Nascida no Dia de Todos os Santos, o nome escolhido pela mãe de Santinha era Maria Santinha Alves dos Santos. “Quando a mãe tinha um filho, ela já procurava o nome do santo do dia e colocava no nome”, contou. Porém, quando a família recebeu o registro, notou que o cartório havia esquecido de inserir o segundo nome. Apesar disso, ele acabou se tornando um apelido e se mantém vivo até hoje. “Todo mundo me conhece como Santinha”, destacou.