Luta. Risco. Dedicação. Paixão. Injustiça. A vida por trás de um médico

Há alguns meses, no início do ciclo pandêmico, o corpo clínico da Santa Casa foi apontado como despreparado ao combate da tão temida Covid-19. Era um novo tempo. Uma doença ainda desconhecida. Mortes aconteciam em todo o país. Hoje, os números passaram dos 150 mil. Mesmo “julgados” e, de uma certa forma, “condenados” pelas críticas, médicos não desistiram da missão. E continuaram travando batalhas diárias contra o vírus. Passados meses, o Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) averiguou a denúncia. E nada constatou. “Com os dados e documentos apresentados nessa denúncia, não se observaram indícios de infração ética. Recomenda-se o arquivamento da presente sindicância”, afirmou Úrsula Bueno do Prado Guirro, do CRM. 

Na época, além de lutarem contra algo ainda desconhecido, os médicos voltados ao Covid foram bastante afetados com as acusações. Ou seja, não bastasse a carga emocional no enfrentamento da doença, ainda tiveram que lidar com críticas que, somente agora, caíram por terra. “Os profissionais de saúde de todo país têm se mostrado ativos, trabalhando nos ambientes necessários para cuidar dos pacientes e se expondo constantemente ao risco de contaminação pelo coronavírus”, diz o documento enviado pelo CRM. 

A denúncia envolvia quatro pacientes internados com suspeita/confirmação de Covid-19. Na época, todos eles evoluíram com insuficiência respiratória aguda grave. Receberam cuidados típicos e apropriados de medicina intensiva. E, apesar de tudo o que se podia fazer, morreram. “Ainda há escala de médicos plantonistas em todos os dias, de março a abril. Após avaliar os prontuários anexados a esta sindicância e as escalas de médicos plantonistas, não se observaram indícios de infração ética nas condutas descritas”, destaca o documento.

Hoje, no Dia do Médico, o jornal TRIBUNA DO INTERIOR homenageia cada um dos profissionais que se embrenhou na linha de frente da Covid. Um front de guerra difícil de encarar. Ainda mais, atirando contra um inimigo invisível. Que não se sabe quando acerta. Mas sabe-se quando é atingido. Somente cada um desses profissionais pra dizer quantos tiros recebeu e, qual a dimensão das noites. Da escuridão de cada luta. Um desses exemplos é a médica Bianca Galinari. Pneumologista do Covid da Santa Casa, jamais mediu esforços para lutar contra a morte. Sua jornada foi intensa. Praticamente morou no hospital. Permaneceu quase três meses sem sair da unidade. E seu medo era compreensível. Morando com os pais, tinha medo de levar o vírus para casa. 

Vítima da Covid

Delma Marquardt Bunhak, foi uma das vítimas da Covid-19. E ficou internada na Santa Casa de Campo Mourão. Durante um dos dias que lá esteve, seus sobrinhos perguntaram como havia sido o dia. Então, ela respondeu que estava no “Resort Santa Casa”.  “Meu dia foi com líquidos intravenosos de hora em hora. Monitoramento 24 horas. Saída de líquido da artéria, duas vezes ao dia. Do dedo, a cada quatro horas. Da veia, uma vez ao dia. Com entrada de oxigênio pelo nariz. Aí vieram colher uma seringa enorme de sangue da artéria. Anjos de Deus em forma de gente que ajudam a tia”, disse ela aos sobrinhos. 

Delma fantasiou cada profissional do hospital como uma arara azul, do Cerrado. Pra ficar mais divertido. “Gratidão a Deus por cada Arara Azul daqui. Anjos em forma de pessoas que Deus tem colocado no meu caminho. Entram araras fêmeas e machos. O tempo todo neste quarto de resort. Todas do bico e asas azuis. Pés e mãos brancas. De viseiras transparentes. Equipe multisseriada. Médicos e enfermeiros. Gratidão. Tentando me manter bem. Deus no Comando. Ele é maravilhoso, sempre. Várias furadas profundas. Mas cada dia melhor. Hoje melhor que ontem. Esse é pior todo dia. Ai que dor. As Artérias é onde vai o oxigênio para o pulmão. Duas vezes por dia. Aproveite o dia fora do Resort Santa Casa. Fica com Deus.”, disse.

“Vou pra casa. Então, olhar constante em casa como a médica disse. Doença traiçoeira. As vezes tá tudo bem e, de repente ela volta com tudo. Aff. Mas estou respondendo bem aos medicamentos. Exames controlados melhorando. A médica me disse que o pulmão é como se fosse uma cidade. Teve uma batalha. A guerra do Covid 19. Com as defesas no meu organismo, esta semana, por volta do 8° e 12°dia. Metade da cidade tá no chão! Pegou fogo. Tá destruída. Tá fumegando. Por isso tanta dor e queimação nas costas. Essa explicação foi de ontem. Hoje ela me disse que nos exames a cidade já parou de sair fumaça. Agora a cidade precisa ser reconstruída, com paciência, antibióticos e anti inflamatórios na veia. Indo no Plantão Upa todos os dias, por sete dias. Repete todos os exames. E continua. Tratamento via oral. Fisioterapia pulmonar. Começar a tentar andar. Cada dia um pouquinho mais. Tomar sol, continuar com as vitaminas”, complementou em seu relato. 

“No momento, mal paro em pé. Mas Deus tá no controle sempre. Afinal os exames de hoje já saíram dentro de uma faixa que podem me dar alta. Louvado seja o Senhor. Cinco dias aqui praticamente sem dormir. O tempo todo mexendo com a gente. Cada hora uma coisa. Agradeço a Deus por isso também. Anjos de Deus em forma de araras que ajudaram a Salvar minha vida”, disse ela. Delma hoje está em casa. Curada. Pronta para uma nova guerra em sua própria cidade. 

À Santa Casa, ela também deixou um recado: “Administradores, médicos, enfermeiras, secretárias e as demais profissões. Sei que a Santa Casa só é maravilhosa no cuidado pela vida, porque tem uma equipe imensa trabalhando nos bastidores. Fiquem com Deus”, disse.  A direção da Santa Casa também presta uma homenagem a todos os profissionais que dedicam à vida a lutar contra a morte. Em nota: “É com imenso carinho, respeito e gratidão, que o hospital Santa Casa parabeniza a todos os médicos, que além de profissionais brilhantes, são nossos amigos e heróis diariamente. Afinal, ser médico é ter a missão nobre e especial de lutar pelo bem mais precioso que temos: a vida”.