Marcelo da Luz, vivia na escuridão

Nome: Marcelo. Sobrenome: Luz. Por ironia do destino, viveu parte da vida na escuridão. Extremamente pobres, os pais o largaram num orfanato, ainda aos oito anos de idade. A mãe, Maria das Dores da Luz, tinha problemas psicológicos. Foi internada diversas vezes em manicômios. O pai, João da Luz, vendia algodão doce e cocada nas esquinas. Teve depressão, chorando muito durante as crises. E, mesmo com todas as possibilidades de ser um “Zé Ninguém”, ou, como dizem, não vingar, Marcelo virou o cara. Passou por humilhações traumáticas. Usou drogas. Virou pedinte. Mas descobriu uma força maior. Estudou, batalhou e venceu.    

A história de Marcelo da Luz, definitivamente, não é uma ficção. É um quadro real do cotidiano de muitas crianças brasileiras. E, embora esteja estampada na cara de toda a sociedade, ela faz de conta que o problema não existe. De certa forma, Marcelo foi “abandonado”. Aos oito, foi entregue a uma comunidade coordenada por padres – Aldeia Infantil Estrela da Manhã -, em São Sebastião da Amoreira, no Norte do Paraná. Os pais não tinham condições financeiras, nem psicológicas para ficar com o menino. 

A bem da verdade, o casal jamais deveria ter se casado. Conta Marcelo que o pai era tio da própria esposa. Ou seja, Maria era filha de um irmão de João. As consequências foram devastadoras. Segundo ele, o casal teve seis filhos. Marcelo foi o único sobrevivente. Os outros, morreram muito novos ou acabaram abortados naturalmente. Hoje, ele tem apenas uma irmã, Ladir, do primeiro casamento da mãe.         No abrigo, Marcelo permaneceu até os 12 anos. Lá, teve uma educação cristã, aprendendo a viver de modo correto. Mas, se sentindo só, a angústia o remetia ao lado escuro da vida. Nunca foi fácil saber que havia sido “abandonado”. Finalmente, numa das únicas visitas recebida pelos pais, em quatro anos, se colocou a chorar, implorando deixar o lugar. Sensibilizados, Maria e João o levaram. O destino era Guarulhos, no interior de São Paulo. Um lugar que condenaria sua alma.

Vivendo agora em São Paulo, na favela ao lado do Estádio João do Pulo, Marcelo conheceu quem não prestava. Tornou-se amigo de traficantes. Foi viciado. Nas primeiras três compras de droga, foi isento de pagamentos. Mas, na quarta, já vitimado pela química tóxica, teve que a comprar. Então, roubou o próprio pai várias vezes. João era um simples vendedor de algodão doce. Marcelo não teve remorso. Levou os poucos trocados. A dependência falava mais alto. 

A vida passou a desandar. Aos 12, já havia abandonado a escola. E não era por falta de vontade do pai. Ele fazia seu papel e o levava. Mas o menino pulava os muros, retornando antes do sino bater. Passava as tardes na rua, fazendo o que não devia. Muitas vezes ia até o aeroporto internacional de Guarulhos. Era lá onde cantava, literalmente, os passageiros. “Eu cantava a musiquinha do Mac Donalds. Depois pedia um dinheiro pra comprar um Big Mac. E com pena, eles me davam. Embora nunca comprasse o lanche”, disse. 

Na época, misturava maconha e crack – conhecido como mesclado -, sendo levado a uma espécie de universo paralelo. Com liberdade total, andava sujo, com roupas amassadas. O dinheiro arrecadado, tanto no aeroporto, como nas ruas, era todo usado às drogas, cigarros e no fliperama – casa de jogos eletrônicos, existente entre os anos 80 e 90. Mas não demorou a perder a liberdade. Flagrado pelo Conselho Tutelar, era levado a instituições para menores. Fugiu pelo menos cinco vezes.  

Na última apreensão, sofreu traumas que, até hoje, não gosta de lembrar. “Aquele dia chorei muito e pedi pra ir embora de lá. Eles fizeram uma oração comigo. Depois me deram roupas rasgadas e me colocaram na rua. E disseram: agora é com você”, lembrou. Enquanto Marcelo vivia na escuridão, os pais continuavam na dificuldade dos dias. Maria com problemas na cabeça. E, João, nas esquinas, conseguindo trocados com cocada e algodão doce. 

Determinado dia, Marcelo conheceu um homem do bem, conhecido como chefe João, do Conselho Tutelar. Sabendo de suas “desventuras”, o levou até a frente de uma delegacia. Depois, ao seu interior. Por fim, em frente as celas, com presos amontoados. “Veja, e olhe bem. É aqui que você quer viver? Se continuar assim, vai acabar na Febem. É isso que quer?”, disse ao menino. Era o ano de 1996. Naquele momento, a ficha de Marcelo caiu. Foi então, que pediu ajuda para voltar ao Norte do Paraná. No mesmo orfanato onde, um dia, quis deixar. Levado até sua casa, o homem falou com o pai. 

Sensibilizado, João, o pai, pegou um ônibus e levou Marcelo de volta a São Sebastião da Amoreira. Era a saída de emergência para deixar a escuridão. De volta ao abrigo dos padres, Marcelo permaneceu até os 16 anos. Durante sua estada, a vida dos pais se desmantelou. Em 1997, Maria e João se separaram. Ela arrumou outro companheiro. Ele, decidiu se mudar a Campo Mourão, ao lado de sua mãe. Mesmo não sabendo, Marcelo perdeu a mãe. Ela desapareceu em 1998. Mesmo a família buscando pistas, ela jamais foi localizada. Uma vizinha encontrou seus documentos jogados no chão da casa em que morava. Além deles, nada mais. O sumiço é uma incógnita até hoje para Marcelo. 

No abrigo, Marcelo retomou a educação cristã e voltou a estudar. Ele parou com as drogas e com o cigarro. Quando fez 15 anos, os coordenadores do orfanato o levaram até Campo Mourão. O objetivo era colocá-lo, mais uma vez, diante do pai. O encontro foi muito saudável. Tanto é que, um ano depois, Marcelo deixou a entidade pela última vez, fixando-se definitivamente, em Campo Mourão. 

Nas terras empoeiradas do interior do estado, Marcelo decidiu pelas vias do bem. Ao lado do pai e da avó, retomou os estudos. Ao mesmo tempo, passou a frequentar a igreja. Por quatro meses morou na casa do Bispo Dom Mauro, quando fez o propedêutico. Aos 18, entrou para o Tiro de Guerra. Desejando prosperar, fez cursos de vigilante, transporte de valores e escolta armada. E foi neste período, quando encontrou o amor de sua vida: Camila. E se casou em 2007. No mesmo ano, foram morar em Santa Catarina. Após dez meses, voltaram à cidade. O último passo foi terminar a faculdade de Gestão em Tecnologia de Segurança Privada, finalizado este ano. Marcelo deu a volta por cima. E provou que, mesmo diante das dificuldades, tudo é possível na vida.  

“Só estou vivo mesmo pelo milagre de Deus. Não fosse ele, já deveria ter morrido em Guarulhos”, disse. Hoje, aos 37, ele tem emprego registrado e é pastor auxiliar credenciado na 3ª Igreja Quadrangular de Campo Mourão. Também mantém um programa no rádio, “Semeando Avivamento”, junto com outros pastores. Levando adiante os ensinamentos de Deus, ele ainda tem o sonho de conhecer Israel, a terra em que Jesus viveu. E, por esta razão, colocou o nome Israel nos dois filhos homens, e Israella, na filha. 

O Marcelo de hoje, não é nem no cheiro, o Marcelo dos 12. Antes, era revoltado. Vingativo. E mantinha o mal muito próximo dele. Um adolescente que jamais levou desaforos pra casa. “Hoje prefiro perder do que entrar em conflitos. Minha alma é pacífica. Com muita paz no coração. Não sou perfeito. Sou humano e falho muito”, afirma. João, o pai de Marcelo, viveu ao seu lado até 2016, ano em que morreu. A mãe, Maria, até hoje não foi encontrada. Acredita-se que tenha sido morta. “Se você acha que tudo está perdido, veja a minha história. Tudo é possível. O destino somos nós que fazemos. Deus é fiel”, acredita.