Mortos em casa. Reféns do distanciamento social?

Domingo de Páscoa, 12 de abril. Eluilson Pimpão, 50, foi encontrado morto em casa. Morava sozinho na Rua Belém, em Campo Mourão. Não era casado e vivia no imóvel da falecida mãe. De acordo com um sobrinho, que preferiu ficar no anonimato, “Risada”, como era conhecido, fazia uso de drogas. “Fumava de tudo. E também bebia”, revelou. De acordo com ele, um dia antes da morte, o visitou. 

“Estive com ele na manhã de sábado. Ele estava deitado. Reclamava que tinha problemas em respirar. Parece que doía”, lembra o sobrinho. Mesmo oferecendo ajuda, o tio não aceitou. No domingo, as notícias chegaram. Elas anunciavam a tragédia. Consta no laudo que a morte se deve a um infarto, ocasionado por tabagismo. Pimpão não trabalhava. Estava encostado. Tinha câncer de pele. Morreu sozinho. Na “fumaça” da solidão.    

No dia 8 de abril, a agricultora Alzira Oliveira Leandro, 60, foi encontrada caída, sem vida, na porta de sua casa. Ela morava em um assentamento, em Quinta do Sol. O corpo não tinha evidências de violência. Ela morava sozinha na pequena propriedade. Dias antes, uma filha havia a visitado. Pelo que se levantou, foram causas naturais.

De acordo com informações da Polícia Civil de Engenheiro Beltrão, Alzira morreu à noite. Vítima de parada cardíaca. Antes de cair, ainda conseguiu proteger o rosto com uma das mãos. O corpo foi encontrado somente no dia seguinte.   

Junho

José dos Santos tinha 62 anos. Morava sozinho em Roncador. Tinha dois filhos. Uma no Mato Grosso. Outro em Campo Mourão. No dia 15 de junho, foi encontrado morto. Trancado dentro da própria casa, em Roncador. Estava caído ao lado da cama. Um dos vizinhos sentiu sua falta. Quando bateu à porta, o cheiro já anunciava as más notícias. Estava sem vida já, há pelo menos dois dias. Segundo o filho, Everson dos Santos, o pai não tinha problemas de saúde. E era visitado uma vez ao mês. “Eu moro em Campo Mourão. Pelo menos uma vez por mês eu o visitava”, disse. 

Segundo ele, o laudo não apontou nada anormal. Nem Covid. Pelo que tudo indica, pode ter sido vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). A indignação ficou pelo enterro. Devido ao Covid, velórios quase não existem mais. O tempo é bastante curto. “Falta respeito”, alega. A conclusão é que se trata de uma fatalidade. Um distanciamento social ocasionado pela vida. Caso José morasse com um dos filhos, possivelmente, haveria chances em socorrê-lo. 

Ari Zanchetta, 53, foi encontrado morto em casa pelos vizinhos, no 16 de junho. O cheiro os alertou. Fazia quatro dias que estava caído, já sem vida. Conta a família que veio do Rio Grande do Sul, há tempos. Em Campo Mourão, casou. Depois, separou. Veio a depressão e, por fim, o alcoolismo. Entregou-se ao álcool. E pagou por isso. A causa mortis foi infarto, ocasionado pela bebida.

“Ele tinha cirrose. Bebia muito. E não aceitava ajuda de ninguém”, disse uma prima. Já, há algum tempo, morava sozinho, na rua Juriti, em Campo Mourão. Trabalhava na construção de telhados. Isolado, sem mulher ou filhos, acabou só. Morreu sem ninguém ver. Não faz muito tempo, os primos ofereceram ajuda para um tratamento. Recusou. Ficaram as lembranças dos amigos de boteco.   

Rubens Ribeiro de Almeida, 65, morreu em casa, sozinho, em 23 de junho. Morava na Rua Araribóia, em Juranda. Segundo relatos, costumava ficar sentado em frente ao imóvel. Todos os dias. Mas naquela tarde, não apareceu. Então um vizinho resolveu o procurar. Era tarde. Estava caído na cozinha. Já, sem vida. 

Rubens era uma pessoa de difícil convivência com os familiares. Um irmão informou que tinha vários problemas de saúde. Inclusive, uma trombose numa das pernas. O tratamento jamais foi concluído. Principalmente, em virtude do álcool. Segundo informações da Polícia Militar, o corpo não continha lesões. Muito menos perfurações. Pelo que tudo indica, foram causas naturais. Possivelmente, infarto. 

Julho

Em Quarto Centenário, o ex vereador Antônio Irineu Picotti, 63, foi encontrado já, sem vida, dois dias após ter morrido. Estava em casa. Morava sozinho. O filho, Pedro, raramente o visitava. Era em respeito à possibilidade de transmitir o Covid. “Meu pai tinha um medo danado de pegar o vírus”, disse. No entanto, mesmo se cuidando, teve um infarto. E morreu isolado de todos. 

Pedro lembra que viu o pai ainda na sexta, dia 17 de julho. Na segunda, 20, foi visto por alguns conhecidos. Mas somente na quarta, 22, é que o corpo foi encontrado. De acordo com a família, Picotti deveria ter feito cateterismo há tempos. Também tinha diabetes e pressão alta. Mas nunca buscou ajuda médica. “Ele não ligava pra coisa”, disse o filho. O pai era separado.

Nos seis casos analisados, tudo indica que não há relações com o Covid. Foram causas naturais. AVC, parada cardíaca, algumas originadas pelo álcool. Outras, pela droga. Uma pelo cigarro. Mas em tempos de pandemia, deixar idosos muito tempo distantes, também pode ser perigoso. Pessoas a partir dos 60 anos, estão mais propensas ao agravamento da sua condição de saúde, principalmente, em função da COVID-19. 

Orientações

De acordo com a psicóloga Paula Vanalli, que atua na Vigilância Sócio Assistencial do município de Campo Mourão, o cuidado afetivo e social à pessoa idosa durante a pandemia deve ser compreendido como essencial pela família. Haja vista que, o cuidado integral ao idoso, constitui aspecto determinante ao seu bem estar e longevidade. “Nesse sentido, o isolamento social pode acarretar à todas as pessoas, mas principalmente à pessoa idosa, tonalidades afetivas como medo (por exemplo, de ser infectado, transmitir a doença, vir a falecer ou mesmo perder pessoas queridas) e ansiedade (prejuízo no sono e alimentação), bem como sentimentos de solidão, vivenciados concretamente quando a família isola o idoso em períodos prolongados, de dias e até meses”, explica. 

Vanalli enfatiza que o distanciamento pode incorrer em prejuízos emocionais, sociais e de saúde, à medida que a pessoa, em sua maioria, depende de familiares para auxiliá-los nos cuidados básicos de saúde. “Como horários corretos de medicamentos. Consultas e exames de rotina. De alimentação”, lembrou. Para ela, é essencial que a família consiga organizar uma rotina de convívio e cuidado ao idoso. Compreendendo que, se as medidas de isolamento e distanciamento social para evitar o contágio do novo coronavírus são importantes, igualmente importante é a presença de familiares no cotidiano da pessoa idosa. 

Compete à família manter contato e diálogo com os serviços públicos e entidades da sociedade civil que compõem a rede de cuidado e de proteção à pessoa idosa. Como a UBS mais próxima da residência que, através das equipes de saúde da família podem realizar visitas de prevenção e cuidado em saúde da pessoa. E o CRAS, instalado no território, que conta com equipe que mantém vínculo e contato com a pessoa idosa, visando acolhida, apoio e orientações destinadas ao fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.

Dicas

• Proporcionar ao idoso conexões familiares e sociais através do uso de celulares smartphones com recursos de mensagens de texto, áudio e vídeo, ou mesmo telefonemas, cartas e desenhos feitos por netos ou outras crianças afetivamente próximas da pessoa idosa; 
• Ofertar atividades de leituras, músicas e de ritos tradicionais através de rádio e TV; 
• Mesmo dentro de casa, passar momentos em ambiente para banho de sol e convívio interativo através de jogos e outras atividades de mobilidade para o idoso se for utilizar espaços sociais; 
• Orientar e proteger o idoso de golpes financeiros empregados por pessoas através de ligações telefônicas e, até mesmo, contato pessoal através de visitas domiciliares.