O dia em que o granizo parou Campo Mourão

Campo Mourão, 26 de setembro de 1971, início da primavera. Eram 4h30 da madrugada. Naquela noite, a população ainda dormia quando foi acordada pelo medo. Uma tempestade sem precedentes iniciava um rastro de destruição por toda a cidade. Foi a chuva de granizo mais poderosa já presenciada. As “pedras” começaram a cair antes mesmo da chuva. E, enquanto penetravam as casas, pessoas corriam sob móveis em busca de proteção. Foram apenas cinco minutos de tormenta. Mas os prejuízos permaneceram por 30 dias. Por toda a cidade, telhados foram dizimados. Felizmente, sem registros de mortes.

A empresária e pecuarista Maura Soriano jamais se esqueceu daquela madrugada. Ela tinha apenas 20 anos. Casada e com dois filhos pequenos, foi acordada com o barulho que descreve como ao de um motor de avião. Ainda na cama, percebeu que algo começava a perfurar o telhado. Ao acender a luz, teve a certeza que a coisa era mais séria do que imaginava. Então, com o granizo destruindo tudo, correu para salvar os pequenos. Os colocou dentro do guarda roupas e lá, os deixou.

“Comecei a arrancar as cortinas de plástico e as colocar sobre os móveis. Era uma maneira de tentar não perder o pouco que tínhamos. Mas de nada adiantou. Além do granizo, choveu muito. Quando vi, os móveis já estavam boiando de tanta água”, lembrou. Maura recorda que, ao mesmo tempo em que tentava proteger as coisas, tinha que se desviar do granizo e das telhas que caíam. “Eram pedras do tamanho de ovos de galinha”, disse. De acordo com informações, as “pedras” tinham peso médio de 250 gramas.

Clarinda de Moraes, hoje aos 90, era casada com o saudoso Jorge de Fernandes de Moraes, o dono do épico Bar Aparecida, na Capitão Índio Bandeira. Foi uma noite de intenso pavor. Não bastasse todo o prejuízo na residência de madeira, o bar da família também foi devastado. “Quando o Jorge chegou para abrir o bar, não havia mais telhado. Então ele e os irmãos arrastaram tudo o que caiu até a calçada. E depois, começaram a atender os clientes”, disse.

Parte do comércio deixou produtos nas calçadas para secar

Parece cômico, mas foi exatamente o que aconteceu. Mesmo sem telhado, Jorge e seus outros dois irmãos, após uma rápida faxina, iniciaram o atendimento no balcão. Munidos com guarda chuvas, os três continuaram a vender bebida e os tradicionais salgados. Inclusive o famoso “Zambau”. “Era uma época de muito movimento e poucos bares na cidade. Sabendo dos prejuízos pela frente, eles não pensaram duas vezes. E trabalharam o dia todo debaixo da chuva”, disse Clarinda. Jorge morreu em 2012.

O amanhecer do dia 26 foi um dia a ser esquecido. Não havia uma só casa na cidade sem rastros do temporal. Para piorar o cenário, choveu todo o restante do dia. Uma correria em busca de lonas e telhas deu início. Mas o material era pouco para tanta demanda. A TRIBUNA, que já existia, fez uma edição especial sobre a tempestade. O prefeito da época, Horácio Amaral, declarou “estado de calamidade pública”.

O jornal TRIBUNA cobriu a tempestade na época

Relatos da época também indicaram que alguns comerciantes da construção civil se aproveitaram da calamidade e elevaram os preços de telhas. Por este motivo, autoridades entraram em cena, e tabelaram os materiais.

Passados 50 anos, a cartorária Rose Kffuri também não se esquece daquela madrugada. Ela havia acabado de chegar em casa. Estava em um baile. Em seguida, tudo começou. “Eu não sabia se aquele barulho era de um trator, um avião. Foi muito alto e assustador. Depois teve início aquelas pedras enormes furando o telhado”, disse. Ainda pela manhã, com a cobertura danificada, ela se lembra da mãe fazendo comida no fogão, usando um guarda-chuvas.

A força das “pedras” foi tão grande que a mangueira do quintal foi toda cortada, como por um facão. “Nosso medo foi primeiro com o barulho. Em seguida com a quebra das vidraças e do telhado”, disse. Hoje, ela pensa que, uma vez que caísse num dia de semana, com o comércio aberto, as consequências poderiam ter sido maiores, com pessoas feridas. “Menos mal que aconteceu de madrugada”, disse.

O empresário Denir Daleffe é outro que guarda na memória as cenas daquela madrugada. Casado, ele tinha apenas um filho de um ano. “Eu estava dormindo. Não sabia o que estava acontecendo. O barulho não parava. Depois que vi que se tratava de granizos enormes, enrolamos nosso filho nas cobertas e corremos para nos proteger dentro do meu fusca”, disse.

Passada a tormenta, retornou para ver os estragos. Nada sobrou. Denir já era um dos sócios da Auto Peças Cometa. Ele se recorda que, desabrigados, toda a família dele e dos irmãos passaram o dia na própria empresa. Não havia como retornar às suas casas. “Ficamos lá, até limpar os imóveis e arrumar lonas e telhas. Foi desesperador”, explicou.

Calamidade pública

Através do decreto 24/71, o prefeito Horácio Amaral, anunciou estado de calamidade pública no município. No documento ele enfatizou os danos incalculáveis ocasionados pelo temporal, que veio interromper as atividades normais da cidade. Os prejuízos atingiram não só o comércio e a indústria, mas também as lavouras, a pecuária, assim como toda a coletividade mourãoense.

Relatos da época mostram que a cidade demorou um mês para retornar à sua normalidade. Crianças ficaram sem aulas. A cidade também sofreu sem energia elétrica e no abastecimento de água. Não haviam telhas e vidros suficientes para tanta demanda. Muitos municípios também enviaram mantimentos à população. A doação de telhas partiu de vários locais do país. Em Curitiba, o governador Haroldo Leon Peres baixou decreto abrindo crédito extraordinário de Cr$100 mil para atender Campo Mourão.

Ao mesmo tempo em que os mourãoenses recebiam a solidariedade de outros municípios, o prefeito se deslocou, em companhia do então vereador Augusto de Oliveira Carneiro, ao interior de São Paulo, em regiões produtoras de cerâmica. O objetivo era enviar caminhões com telhas à cidade.

As famílias mais pobres perderam tudo e passaram a ser assistidas pelo município. Ainda existem fotos evidenciando a doação de alimentos, assim como a acolhida em locais públicos. Cerca de cinco milhões de telhas foram enviadas a Campo Mourão. Além de casas e do comércio, outros 150 veículos sofreram as ações do granizo.