Os últimos degraus de Rui Antônio Cruz

Foram 43 anos de toga. 38 deles somente em Campo Mourão. Esta semana, o Juiz Rui Antônio Cruz subiu os 26 degraus até sua sala pela última vez. Mesmo nascendo em Bento de Abreu, no interior de São Paulo, o magistrado adotou as terras vermelhas mourãoenses como suas. E garante que daqui, não sairá mais. Homem simples, jamais deixou que o peso da “caneta” interferisse na vida social. Na cidade fez amigos, participou de ações, colaborou ao bem comum. “Não sou juiz, estou juiz. Tenho os mesmos problemas que qualquer pessoa. E é por isso que jamais me senti superior aos outros”, disse.

“Cumpri minha missão. Se deixei de fazer algo foi pelas minhas limitações como homem”, afirmou Cruz. Segundo ele, fez tudo o que pode. A justiça foi feita. O juiz atuou pouco em júris, apenas quatro anos. Em Campo Mourão passou a maior parte do Fórum Eleitoral. E foi ali quando duas histórias chamaram sua atenção.

Em Luiziana, numa das tantas eleições municipais que acompanhou, uma mulher foi pega em flagrante, no dia da votação, distribuindo santinhos de um candidato. O candidato em questão era o próprio filho. Levada até Cruz, ele a indagou se sabia que o que fazia era crime. “Naquele momento esperei e acreditei que ela falaria que era o coração de mãe que a movia. Mas não foi o que eu ouvi”, disse. A mulher afrontou o juiz e disse que ali, todos faziam a mesma prática. “Fui obrigado a dizer àquela mulher que mandaria prender todos. E ela, seria a primeira. E foi o que fiz”, lembrou.

Num outro pleito, agora em Campo Mourão, um dos tantos candidatos a vereador “queimou a largada”. Começou a fazer propaganda antes mesmo do tempo determinado pela Justiça Eleitoral. Ao final das eleições, o sujeito foi eleito e com número expressivo de votos. Aí Cruz entrou em cena. “Eu apliquei uma multa generosa. Na sua defesa disse que era pobre e não havia condições em pagar”, disse.

Dias depois, no Fórum, os dois se encontraram. E o eleito teria pedido que não aplicasse a multa. “Disse a ele que, se o poupasse, não me respeitaria mais nas próximas eleições”. E a penalidade foi aplicada. Cruz dividiu a conta em 48 parcelas, o mesmo número de meses que o vereador permaneceria frente à Câmara municipal. A justiça foi feita.

Cruz nasceu em 46, na cidade de Bento de Abreu, São Paulo. Aos 14, já em Araçatuba, iniciou a vida trabalhando num cartório. A jornada durou até os seus 26 anos. Mas fiel aos ensinamentos da mãe, fez vestibular para o curso de Direito. Passou e finalizou a faculdade em 72, em Bauru. Formado, passou a atuar como advogado em Assis Chateaubriand, no Paraná. Mas a vocação à justiça era grande. Então fez concurso à juiz em 77. E, já em 78, iniciou a carreira na magistratura, em Loanda. A chegada a Campo Mourão ocorreu em 1983. Local onde, segundo ele, nunca mais deixará. “Aprendi a amar essa terra como se fosse minha”, disse.

A mãe, Itália, e o pai, Antônio, ou apenas o “seu Cruz”, tiveram 13 “barrigadas”. Mas apenas sete delas vingaram. A família sempre foi bastante humilde, trabalhando muito para criar os filhos. O pai era guardião num posto de combustíveis. “Lembro bem que quando ia para a escola levava a marmitinha dele. Na volta, a recolhia, já vazia”. A mãe, além de cuidar das sete crianças, também costurava, vendia roupas e jóias. Embora vivendo na simplicidade, recordações de uma infância rica em sabedoria, ensinamentos e exemplos de honestidade. Os sete “meninos” acabaram mostrando que as lições serviram.

Cruz se aposenta com a missão cumprida, como ele mesmo diz. Durante sua carreira se casou e teve dois filhos, Ana e Rodrigo. Agora, sem mais a caneta pesada em mãos, a vida continuará seu fluxo habitual. E tem muito trabalho pela frente. Ele deixa o Fórum e passa a se aproximar ainda mais da fazenda, onde cria gado há anos.

Numa última visão sobre a justiça brasileira, Cruz garante que as instâncias inferiores continuam atuando exemplarmente. No entanto, as superiores deveriam passar por avanços. Como o caso do Supremo Tribunal Federal (STF). “Vejo a necessidade dos ministros serem indicados pelo próprio judiciário e não através dos presidentes da república. Temos que ter ali juízes de carreira, com experiência em julgar”, acredita.