Pensando nas filhas, Silvio se levantou

Silvio nasceu com os pés na lavoura. Desde pequeno, já acompanhava o pai na agricultura. Diante de um cenário promissor, acabou abandonando os estudos, ainda na oitava série, para se dedicar ao segmento. Com o tempo, se casou, teve duas filhas e arrendou terras, se tornando um grande sojicultor. Mas nem tudo eram flores. A falta de chuvas, em 2005 e 2006, dizimaram sua produção. Começaram os problemas. Dívidas. E mesmo deprimido, manteve um único objetivo em vida: continuar sendo um pai de verdade. E ele é.

Silvio Roberto Zamora, nasceu em 1969. Na escola, era um aluno inteligente e esforçado. Mas aos 16, mandou os estudos às favas. Era preciso o pragmatismo. Arregaçou as mangas e passou a ajudar o pai, definitivamente, na labuta do campo. Nem mesmo os acidentes refugaram seus objetivos. Na época, caiu de uma altura de cinco metros sobre um implemento agrícola. Quis o destino que nada de mais grave acontecesse.

Aos 21, conheceu Maria de Fátima, com quem se casou. Em 94, nasceu a primeira filha, Bianca. Na época, moravam em um puxadinho do barracão, onde ficavam guardados maquinários e insumos agrícolas. Eram tempos difíceis. Dois anos depois, teve a segunda filha, Bruna. Trabalhou todos os dias, numa jornada ininterrupta. “Eu quase não o via. Ele saia bem cedo e voltava à noite. Ele tocava terras em Farol e depois em Tuneiras do Oeste. Sentíamos sua falta. Quando ele chegava em casa, eu e minha irmã estávamos dormindo”, disse Bianca.

Para evitar a estrada e a distância, a família mudou a Farol. “Sempre o acompanhamos. Víamos o seu cansaço. Chegava sempre sujo e por vezes machucado. O trabalho na roça sempre foi muito pesado e não posso deixar de dizer que a agricultura lhe trouxe muitos problemas”, lembrou a filha. Em uma ocasião, usando um trator para rebocar outro trator, o pino que segurava o cabo de aço se rompeu, atingindo em cheio nos lábios. A acidente causou uma fratura nos dentes e na arcada dentária. Os médicos contaram que, tivesse pego um pouco mais acima, teria sido fatal. Não morreu porque não era a hora.

O trabalho intenso levou Silvio a ser um grande plantador de soja. E, consequentemente, a ganhar dinheiro. Mas em 2005, o Sul do país passou por um intenso período de seca, fazendo com que as lavouras se dizimassem. Inclusive a dele. Começavam aí muitos problemas. Também foi nesse período em que sofreu outro acidente, caindo de aproximadamente seis metros de altura. Quebrou a bacia em seis lugares, duas vertebras, o braço. Teve lesões nos rins, na coluna, fígado e bexiga. Além disso, perdeu muito sangue e teve que passar por cirurgias para implantar vários pinos, ficando em cadeira de rodas.

Aos 40 anos e agora, desiludido com a agricultura, se viu em meio a uma dívida gigantesca. Uma espécie de bola de neve, a qual consumia tudo o que tinha. Olhando para trás e, pensando nas três pessoas que dependiam dele, decidiu mudar o próprio destino. Na época foi convidado a sair candidato à prefeito de Farol. Aceitou, mas obteve apenas 27% dos votos.

Durante a campanha, um dos argumentos de uma concorrente, era de que ele não havia terminado nem o segundo grau. Portanto, uma pessoa sem formação. De certa forma, um homem despreparado para administrar a cidade. E isso mexeu com ele. Mais que isso. Mudou a sua vida. Para sempre. Há males que vem ao bem.

Silvio voltou aos estudos. Fez o ENEM. Se matriculou no CEEBJA. E conseguiu o certificado do ensino médio. Aos 40, ingressou no curso de Direito do Integrado. Era uma conquista que enxia seus olhos. “Me lembro de uma vez em que vi meu pai muito preocupado. Por conta da faculdade, decidimos voltar para Campo Mourão. Ele não estava conseguindo nenhum emprego. Me lembro dele sentado numa cadeira, dizendo que não sabia mais o que fazer. Vi lágrimas nos olhos dele e senti medo também. Via minha mãe também preocupada, pois, nem ela e nem ele, estavam trabalhando”, lembrou Bianca.

Acreditando numa força divina, Silvio sempre afirmou que, quando a situação saía do controle ou que parecia ser o fim, era hora de Deus agir. Sob a angústia, recebeu uma ligação da então Deputada Estadual Marla Tureck. Ela o convidava para trabalhar como assessor. Era um bom salário. Topou na hora. “Naquele dia vi o quanto ele confiava em Deus e como Deus nunca o abandonava”, disse Bianca.

A carreira no Direito deixou exemplos. Em 2012, Bianca passou, também no Integrado e ouvia elogios dos professores sobre Silvio. “No último ano da faculdade do meu pai, estávamos todos da família estudando no ensino superior: meu pai, eu e minha irmã Bruna, no curso de Direito. E minha mãe Fátima, no curso de Serviço Social”, lembrou. De certa forma, a redenção de Silvio, foi também o exemplo e a vitória da turminha.

“No final de 2014 aconteceu um fato interessante. Meu pai sempre nos mostrou como um homem deveria tratar sua esposa. Sempre cuidou da minha mãe, fazia surpresas e a presenteava. Neste ano em questão, minha mãe foi convidada para ir para a casa de uma amiga na Alemanha. Iria ficar 30 dias. Meu pai não quis ir junto, em razão da sua situação financeira”, disse a filha.

Durante a primeira semana de viagem, Silvio ficou deprimido. Não comia. Não conversava. Não dormia. “Um dia me chamou no canto e falou: não aguento mais, estou querendo comprar uma passagem e ir atrás da sua mãe na Alemanha. Ele não tinha passaporte. Era um domingo à tarde, dia 10 de dezembro. Na segunda pela manhã ligou diretamente para o responsável pela emissão dos passaportes da Polícia Federal de Maringá e implorou por ajuda”.

Por sorte, Silvio conseguiu fazer o passaporte. Comprou a passagem para um dia depois da data que receberia o documento em mãos. Se o papel atrasasse, não poderia ir. Mas deu tudo certo. E lá foi ele para sua primeira viagem internacional. Tudo isso porque não aguentou ficar dez dias longe da esposa. “Ele não falava inglês e nenhuma outra língua. Nunca tinha andado de avião. Se mandou atrás do seu amor”, lembrou Bianca.

Em 2016, Silvio foi convidado a ser procurador do município de Campo Mourão pela então Prefeita Regina Dubay. Mas acabou declinando, em razão do escritório que trabalhava. No mesmo ano, se sentindo confiante e, com muitos clientes, decidiu com a cara e a coragem abrir o próprio escritório. Em 2017, assumiu como advogado da Comunidade dos Municípios da Região de Campo Mourão – COMCAM, onde está até hoje.

O agora advogado, sempre foi um homem simples. Tem gosto apurado por futebol. Em 2018, numa brincadeira, gravou um vídeo que foi parar no Fantástico, da Globo. Ele executava um lance difícil e o nome do quadro era: tá de brincadeira? O vídeo rodou vários grupos de WhatsApp e um deles era de jogadores que atuam na Copa AFIA de futebol amador veterano. “E por coincidência, um amigo do meu pai estava nesse grupo e disse que o conhecia. Pediram então para convida-lo a jogar com eles e disputar a copa em Portugal no ano de 2019. E rapidamente topou”, disse. Viajou para Portugal onde foi escolhido o melhor jogador da primeira rodada e o gol mais bonito. Foi também escolhido para a seleção do campeonato.

Não bastasse todos os obstáculos já enfrentados, em 2020 descobriu um câncer. Passou por uma cirurgia de retirada total da próstata e se livrou da doença. Ele conseguiu dar exemplo e incentivar outras pessoas a se cuidarem. De certo modo, ensinar a quebrar tabus de “machões à moda antiga”. Este ano também teve COVID. Continua vivo. “Hoje, somos uma família feliz. Fomos ensinadas a acreditar que quando chegamos no fundo do poço, é ali que Deus age. E é nesse momento que as coisas começam a melhorar”, revela Bianca.

Segundo ela, Silvio sempre disse: “Tudo acontece por uma razão. Se aconteceu, foi porque Deus quis. E se Deus quis, é porque é bom. Na vida dele sempre foi assim. Sempre confiou cegamente em Deus que o guiou em todos os momentos e nos ensinou a enxergar as coisas assim também. Hoje não tenho medo de nada, porque sei que Deus está no controle, porque meu pai me ensinou assim”.

Bianca revela um sentimento de intensa satisfação em ter em Sílvio, a figura de pai. “Ele sempre foi super protetor. Rigoroso também, com muitas regrinhas. Mas acima de tudo, continua sendo carinhoso, amoroso e participativo”, afirma. Para ela, ele buscou ser um marido muito bom para que servisse de exemplo às filhas. “Ele quis ser exemplo. Principalmente para quando, nós escolhêssemos nossos maridos, que não aceitássemos menos do que ele fez”. De certa forma, nem todo mundo pode ter orgulho do próprio pai. Mas este, definitivamente, não é o caso de Bianca e Bruna.