Sérgio escapou do próprio inferno

Até alguns meses, Sérgio morava nas ruas de Curitiba e Campo Mourão. Foi dependente químico. Usava crack. Chegou a roubar para manter o vício. Acabou preso. E pagou por isso. Dez dias em cana. Mesmo sem nenhuma internação, decidiu parar com a droga. Como ele mesmo diz, uma benção divina. Desde 2017, está limpo. Com o tempo, se transformou numa pessoa bem informada. Fala sobre Deus, ufologia, artes e cinema. Como poucos. Estudou somente até a sexta série. Hoje, mora numa pensão. Paga por seu padrasto. Sem renda, passa os dias na calçada pedindo trocados. Foi a maneira encontrada para não passar fome e sustentar o último dos vícios: o cigarro. 

Sérgio Cezar da Silva está com 45 anos. Utiliza uma bengala para caminhar. Segundo ele, dormia nas ruas do centro de Curitiba, em 2015, quando alguém o atingiu com um pedaço de pau. O golpe, no joelho, o lesionou gravemente. Fez cirurgia. Mas a perna continua inchada. “Já tentei encontrar um serviço aqui. Mas quando as pessoas veem a bengala, já falam que não tem vaga”, disse. O jeito então, foi virar pedinte. 

“Serjão”, como alguns o chamam, nasceu em Campo Mourão. Cresceu sem a figura do pai. Segundo ele, jamais foi reconhecido. Acabou criado pela avó. Teve duas irmãs por parte da mãe. E cinco pelo lado paterno. Casou duas vezes. E tem uma filha. Mas acabou sozinho no mundo. Conta que começou a trabalhar ainda aos 12 em uma lanchonete da cidade. Depois virou concursado da prefeitura. Lá, seus 16 anos como servidor, acabaram em poeira por causa das drogas. “Eu usava o crack. Faltava muito no serviço. Fui desligado”, disse.

Ainda aos 12 anos, conheceu a maconha com os “amigos”. Passou à cocaína e já, com 25 anos, entrou ao mundo do crack. Foi aí que a vida desmoronou. Em 2015 decidiu ir para a capital, Curitiba. Lá se aventurou no submundo das ruas. Andou com quem não prestava. Se afundou nas drogas. Dormia em qualquer lugar. Perdeu o amor próprio. Estava, literalmente, jogado na sarjeta. Definitivamente, não procurava as saídas para sua tragédia pessoal. 

Em 2017, lembra que comprou sua última “pedra”. Ele então a dividiu com um companheiro de rua. Mas ao invés de usar a sua metade, decidiu comê-la. “Naquele momento pensei comigo no que estava fazendo com minha vida. Acho que foi uma benção divina. Engoli a droga e nunca mais usei”, disse. Para ele, a mãe, fiel a Deus, sempre orou para que deixasse àquela vida. “Acredito que as orações de minha mãe me abençoaram”, disse. A mãe morreu em 2018, vítima de meningite. 

De volta a Campo Mourão em 2018, buscou um lugar ao sol. Sem sucesso. Passou a morar nas ruas. Ganhava comida e se virava sob as marquises do centro. No frio ou no calor. Com ou sem chuva. Foi então que decidiu iniciar a pintura em tela. Ganhou o material e se dedicou a traçar suas linhas. A arte era feita no calçadão. Muita gente parava pra ver. Mas a tinta e as telas acabaram. Sem grana, teve que parar. O que pintou continua guardado num dos quartos da pensão em que dorme. Sérgio acredita ter o dom da arte. Mas pede ajuda para continuar. 

Sérgio hoje passa as manhãs e tardes no centro da cidade. “Chico”, um cão vira latas é o seu companheiro. Ele estende o corpo sob a marquise do Bradesco. Encosta a bengala na parede. Liga a pequena caixa de som. E lá fica a pedir ajuda de quem passa. Ele é bastante informado. Fala sobre diversos assuntos. E está interagindo em várias redes sociais com o seu celular destruído. Dias desses postou no Facebook que faziam três anos que estava sem o crack. Uma vitória pessoal. Digna de comemoração. Mas acabou festejando sozinho. Com a própria solidão.   

Mesmo com uma vida estagnada pelo antigo vício, Sérgio é um vencedor. Deixou o inferno. E tenta agora caminhar de modo correto. Se arrependeu dos erros. Ainda está nas calçadas. É o que tem pra hoje. Mas diante de um mundo agora modificado, a esperança sobrevive. Enquanto isso, vive a serenidade de sua própria solidão.