Situação da previdência municipal vira ‘bomba relógio’ e Campo Mourão prepara reforma

Em meio à pandemia de coronavírus (Covid-19), a reforma da Previdência Municipal dos Servidores (Previscam), está sendo este ano um dos principais assuntos em Campo Mourão, gerando debates, dividindo opiniões e, principalmente, buscando novas regras para a aposentadoria dos servidores municipais. A expectativa é que a reforma do fundo previdenciário municipal seja feita até o mês de maio, quando vence a certidão de regularidade previdenciária da prefeitura. 

As mudanças têm como objetivo a necessidade de diminuir o déficit da previdência para, assim, garantir o equilíbrio das contas do sistema. Além, é claro, em assegurar o pagamento das aposentadorias e pensões aos servidores municipais. 

Pouco mais de um ano após a reforma da Previdência Nacional, apenas 13 municípios que têm regimes próprios de aposentadoria para seus servidores, endureceram as regras de acesso ao benefício, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). E Campo Mourão está de fora. Porém, no limite. Uma espécie de “bomba relógio”, prestes a explodir a qualquer momento. 

Não há mais para onde correr. Ou o município faz a reforma de sua previdência, ou continua refém de suas finanças públicas, com risco, inclusive, em curto prazo de tempo, de ficar sem dinheiro para pagamento do benefício a aposentados e pensionistas. 

Servidora pública há 30 anos, Silvane Bottega, superintendente da Previscam, que já foi líder sindical por 10 anos, alerta que, sem a reforma local da previdência, o sistema pode entrar em colapso logo. “Infelizmente neste momento os servidores irão pagar a conta. Vai ser às custas de aumentar os anos de trabalho e diminuir o valor dos proventos que vamos baixar o déficit público com a previdência”, falou. 

Atualmente 2,1 mil municípios têm regimes próprios de previdência. E todos, sem exceção, passam pelas mesmas dificuldades. No ano passado, 540 elevaram as alíquotas de contribuição de 11% para 14%, inclusive Campo Mourão. 

O secretário da Fazenda do município, Aldecir Roberto Silva, servidor público concursado, informou que a cada ano aumenta o valor do aporte financeiro repassado pelo município à Previscam. Isso acontece para suprir o déficit de recursos, possibilitando o pagamento das aposentadorias aos servidores. Atualmente, cerca de 900 servidores entre aposentados e pensionistas recebem o benefício na cidade. Cerca de 12% deles recebem aposentadoria acima do teto de R$ 6,4 mil, chegando a vencimentos de até R$ 11 mil. No entanto, a grande maioria recebe a média de R$ 3 mil.

Para se ter ideia da dimensão do problema, em 2020, mais de 16% dos recursos de fontes livres do município – R$ 28 milhões, ou R$ 2,7 milhões mensais -, foram destinados a aportes financeiros à previdência. Para este ano, o valor é ainda maior: R$ 31 milhões. Um montante astronômico, considerando no que o município poderia investir os valores em áreas distintas. 

“Muitos entendem que o município coloca a culpa na previdência ou nos aposentados. Isso não é verdade. A maior dificuldade financeira hoje do município é a previdência, mas não que a culpa seja dos aposentados. Pelo contrário, eles têm seu direito, já deram sua contribuição para o município e agora têm todo direito a receber”, falou o secretário da Fazenda. 

Os contrastes do problema são enormes. A projeção de arrecadação com IPTU em Campo Mourão, em 2021, é de R$ 33 milhões. Ou seja, praticamente todo o recurso arrecadado com o imposto deverá ser destinado em aportes à Previscam. “E isso, se realmente arrecadarmos este montante, já que muitos contribuintes não fazem o pagamento em dia”, observou Aldecir. 

Segundo o secretário, a situação está deixando a administração municipal engessada, dependendo quase que exclusivamente de recursos estaduais ou federais para investimentos.  “Imagina se o município tivesse hoje R$ 28 milhões para injetar em serviços públicos para população. Daria para fazer muita coisa”, ressaltou. 

Aldecir comentou que o problema da Previdência Municipal esbarra hoje em duas situações: a questão do índice de pessoal e financeira, como já informado. Ele explica que o município tem um índice máximo calculado com base na legislação. O limite máximo de gastos com folha de pagamento é 54%, enquanto o limite prudencial, 51%. Regras que devem ser seguidas de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). 

O que acontece, segundo o secretário, é que todo este aporte que o município faz para previdência, acaba fazendo parte do índice de gasto com pessoal. “Toda esta situação acaba engessando o município. Por um lado temos o servidor que está na ativa e que vai se aposentar. A partir do momento que ele se aposentar, ele vai para a previdência. Em tese deveria sair do índice pessoal e entrar para a previdência. Mas não é isso que está acontecendo em Campo Mourão. Ele está saindo da ativa, entrando na aposentadoria, mas permanecendo no índice pessoal de gastos. Então veja, estamos tirando o servidor da ativa, e por força de lei, em razão do aumento de índice pessoal, nós não podemos substituir ele. É algo que prejudica muito o município”, falou. 

Aldecir disse que a situação leva as pessoas, até por questões políticas, às vezes entenderem de uma forma equivocada de que a máquina pública está inchada. “E a realidade de Campo Mourão, é que ela não está. Estamos com índice muito alto por conta dos aportes à Previscam. O município tem algumas áreas em específico e não está conseguindo contratar em razão desta situação”, informou. O secretário acrescentou que, se este aporte à previdência não fosse computado no índice pessoal, o município estaria com índice de gastos com servidor bem abaixo do limite prudencial. 

De regra geral, o município ultrapassando o limite máximo de gastos (54%), fica proibido de diversas situações, como por exemplo, recebimento de transferências voluntárias. O município não pode fazer nenhum tipo de contratação que tenha aumento de pessoal, entre várias outras séries de situações que podem levar o município até perder certidão junto ao Tribunal de Contas. Ficando impedido de fazer financiamentos e captação de recursos. 

Lei da reforma da Previdência está no ‘forno’, confirma Previscam

A lei da reforma da Previdência Municipal está no forno, segundo relatou a superintendente da Previscam, Silvane Bottega. Ela disse que as alterações na Previscam já vêm sendo discutidas desde 2018, dentro dos conselhos da Previscam, envolvendo representantes do Sindiscam, Assercam, Servidores da Câmara, servidores aposentados e servidores indicados da administração municipal. “E agora especificamente estamos discutindo a reforma e a elaboração de uma minuta de lei que será encaminhada pela Previscam ao Executivo municipal”, falou.

Desde janeiro deste ano, reuniões para discutir o tema estão sendo realizadas quase que diariamente com os servidores municipais. “Iniciei na segunda semana de janeiro uma série de reuniões com os servidores para explicar a situação. Moralmente nos sentimos nesta obrigação de ir até o servidor e explicar explicar a gravidade da situação e a obrigatoriedade da reforma,  fazendo esta contextualização a ele”, falou. 

Segundo ela, a tentativa será não ‘copiar’ na íntegra a reforma da União, que é considerada ‘extremamente’ dura. “Mas sabemos que se conseguirmos suavizar alguns pontos serão pouquíssimas coisas pelo tamanho do nosso déficit”, prevê.  Silvane disse que se a reforma não for feita com urgência a aposentadoria dos servidores municipais pode estar em risco. “Precisamos ter dinheiro ao longo de dezenas de anos para pagar aposentadoria”, falou ao ressaltar que a reforma obrigatoriamente deve ser feita. “Se cruzarmos os braços agora será uma irresponsabilidade”, frisou. 

Ela disse que mesmo aplicando a reforma, o déficit da previdência não será coberto a um curto prazo, mas sim equacionado. “A nossa proposta é fazer a reforma e unir os fundos com o município parcelando o défict para eliminá-lo em um prazo de 30 anos, mas em uma situação mais equilibrada, que não pese tanto para administração como hoje que coloca em risco também a carreira dos servidores da ativa”, explicou. 

Ela adiantou que algumas regras da reforma previdenciária local seguem as mesmas da União, como: homem passa a se aposentar a partir dos 65 anos e não mais 60, mulheres ao invés de 55, agora 62. A alíquota de contribuição continua 14%. Além do tempo de serviço que será aumentado para se aposentar. Outra medida será a diminuição do valor das aposentadorias. 

“Temos que fazer estas mudanças para diminuirmos o déficit. Vamos andar para trás para não chegar ao caos. Será preciso regredir em termos de expectativa de direito que não vão se cumprir agora para a gente garantir o pagamento aos aposentados e pensionistas de hoje e garantir que toda essa massa de servidores segurados da Previscam tenham o benefício garantido. Chegamos ao limite”, disse. 
 
Dois fundos

Atualmente a Previscam tem dois fundos. O financeiro, que não é capitalizado, e o previdenciário (entenda mais abaixo). O fundo financeiro é utilizado para pagar a aposentadoria. É neste fundo que o município precisa aportar hoje mais de R$ 2 milhões por mês. Já o fundo previdenciário tem aplicados cerca de R$ 160 milhões, que não podem ser usados agora. “Temos um cálculo que se começássemos usar estes recursos sem o aporte do município, em três anos acabaria o dinheiro da previdência”, frisou.  

Estes fundos foram criados em 2009 com a segregação de massas. Até esta data existia apenas um deles. Isso aconteceu porque em 2009, o Ministério da Previdência alertou a administração municipal sobre a existência de déficit com a previdência e necessidade de regularização para não perder a regularidade de certidão previdenciária.

Tinham duas opções legais: o parcelamento do déficit em 35 anos, resultando em um único fundo saudável, ou segregar massas, que na prática seria dividir grupos de servidores. E foi o que aconteceu em Campo Mourão. Em um grupo ficaram os servidores que entraram até 2004 no fundo financeiro, e no fundo previdenciário, servidores que ingressaram a partir de 2005.

“O município está em uma situação insuportável”, diz Tauillo

O prefeito de Campo Mourão, Tauillo Tezelli (Cidadania), também comentou que a reforma da Previdência Municipal deve ser feita o mais urgente possível. Segundo ele, financeiramente hoje, o município está em uma situação insuportável. “Sem a reforma da previdência não vamos conseguir uma atuação para melhorar o atendimento à população”, resumiu. “Não estamos dizendo que a culpa é do servidor ou do aposentado, mas o sistema precisa ser adequado a atual realidade”, afirmou.

O prefeito comentou que os investimentos feitos na cidade atualmente são com recursos de financiamentos dos Governos do Estado e Federal. “Quase nada é feito com dinheiro de recurso público, porque este recurso não sobra”, falou. “Hoje temos dificuldades de atender a população e manter a prefeitura. E quem está pagando a conta é quem está na fila da saúde, o pai que aguarda uma vaga na creche e assim por diante”, lamentou. 

O prefeito disse que o dinheiro destinado aos aportes da previdência poderiam, por exemplo, ser investidos na construção de mais Centros Municipais de Educação Infantil, obras de pavimentação e recape asfáltico, contratação de mais especialidades médicas, entre outros investimentos no setor público. “Os investimentos que conseguimos são com ajuda do Governo do Estado e Federal”, ressaltou. 

Segundo Tauillo, uma das formas de amenizar a situação seria aumentar a arrecadação, mas para isso o município teria de aumentar concomitantemente a carga de impostos. “E então pergunto: quem é que aguenta pagar mais impostos hoje”, questionou. De acordo com o gestor, não fosse o apoio dos governos e as medidas austeras do governo municipal desde o início da gestão, as finanças do município estariam um caos. “A reforma da previdência vai impactar diretamente na vida da sociedade, mas não temos mais para onde correr nem como postergar isso”, acrescentou.