Sueli lutava contra o vício de Genildo

Naquela tarde de segunda feira, Genildo saiu de casa. Foi até um bar. Tomou duas doses de whisky. Ao retornar, lá pelas 16h, não gostou do que ouviu de Sueli, a companheira. Ele tinha que deixar o imóvel. Os papéis da separação estavam a caminho. Numa fúria incontrolável, apanhou uma machadinha e partiu sobre a esposa. Desferiu vários golpes. Édina, a cuidadora que lá trabalha, gritou para que ele parasse. Então, avançou agora, sobre ela. Mas não a alcançou. O que havia começado, só terminou após enfiar uma faca no próprio pescoço. E, por fim, cravá-la no peito. Errou o coração. Atingiu um dos pulmões. Genildo sobreviveu. Sueli, não.   

A tragédia da Rua Santos Dumont, praticamente, na área central de Campo Mourão, chocou a população. Nem mesmo conhecidos de Genildo, acreditam no que ele fez. Casados há 36 anos, os dois tiveram duas filhas. Com o tempo, as meninas cresceram, e também casaram. Uma delas mora em Amsterdã, na Holanda. Mesmo atordoada com a notícia, pegou um voo às pressas, e chegou a tempo ao sepultamento da mãe. 

Contam conhecidos, que o casal vivia de forma discreta. Não eram ricos. Sueli de Fátima Machado, 58, quase não saía. Passou a dedicar tempo ao próprio pai, Francisco, de 94. Um senhor idoso, dependente de uma cadeira de rodas. Para ajudá-la, contratou Édina. A cuidadora que presenciou a tragédia. Segundo ela, o casal vivia em conflitos, principalmente, depois que a esposa decidiu pela separação. “Eles brigavam direto. Ela queria separar. Ele não queria. Ela queria que ele saísse da casa. Ele não queria”, revelou. 

Genildo dos Santos Machado, 59, é descrito por conhecidos, pelo menos até antes do fato, como um sujeito normal. Um excelente mecânico de veículos pesados. Tem uma Fiorino carregada de ferramentas. É uma espécie de salvador dos caminhoneiros em apuros, nas estradas na região. Bastou ligar, ele socorre. Vive sujo de graxa, resultado do trabalho com motores. Um homem de poucas palavras. Com tom baixinho. Muitas vezes, até difícil de compreender o que fala. Entre os principais assuntos de roda com os amigos, o serviço. Sujeito bastante simples. Gosta de mato. Pescar é um dos maiores prazeres terrenos.  

Segundo familiares, Genildo já bebeu, e muito, no passado. Diminui. Mas jamais parou. É do tipo sociável. Daqueles que bebem escondido e não dão trabalho. E esse pode ter sido o limite da esposa. Ela pedia que parasse. Ele não dava bolas. Já, há algum tempo, mostrando sinais de depressão, Genildo buscou um médico e começou a tomar remédios. Mas desistiu dos medicamentos. De acordo com familiares, optou pelo álcool. Para um membro da família, a bebida vinha dificultando o trabalho de Genildo. “Ele perdia clientes, quando chegava bêbado para atendê-los”, disse.  

Sueli era uma mulher do lar. Quase não saía. Levava uma vida discreta. Quase secreta. Optou por cuidar do pai e da filha, ambos com problemas motores. Teve a vida voltada aos dois. Ia a igreja e se abria pouco com a família. Mas, naquela segunda, escolheu o momento errado para pedir a separação. Segundo a cuidadora, Genildo estava bêbado. O resultado foi um ataque de fúria. Que culminou numa tragédia familiar. Descontrolado, matou a própria esposa de forma cruel. A mesma, a quem não queria deixar nesta vida. Mas agora, terminaram separados. Ela, num outro plano espiritual. Ele, se sobreviver, atrás das grades. 

A família custa a acreditar no que aconteceu. Segundo eles, entre as quatro paredes, jamais se ouviu falar sobre agressões. De fato, apenas as eternas reclamações sobre a bebida. Além do mais, Genildo nunca antes demonstrou atitudes violentas. É ficha limpa na Polícia. Para um primo, os dois se amavam. Ela cuidava até mais do que ele merecia. Do outro lado, Genildo não conseguia pensar na possibilidade de viver longe da mulher. “Eles se gostavam muito. Não conseguimos entender como isso aconteceu”, disse. 

Afastar-se do opressor é a primeira medida

Policial da Delegacia da Mulher de Campo Mourão, Ângela Colombo Cruz, diz que algumas tragédias contra mulheres poderiam ser evitadas. Isso, se elas deixassem imediatamente o convívio com o companheiro opressor. “Em primeiro lugar, elas deveriam ter coragem e sair do ambiente de convívio. Mas a realidade delas é muito difícil, inclusive a grande maioria não consegue os próprios proventos”, explica. 

Na rotina do seu dia a dia, Ângela percebe que, embora muitas delas procurem ajuda, acabam por não denunciar os companheiros. “Com a opção da medida protetiva, ela pode solicitar o afastamento do lar. Tudo depende das condições que estiver no ambiente doméstico. O que somente será avaliado por ela”, diz. Segundo ela, em Campo Mourão, as vítimas também podem receber apoio do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), que as abriga por um período. 

Ângela ressalta que, toda mulher que se sentir, de alguma forma, “refém” do próprio companheiro, deve buscar ajuda através da rede de enfrentamento de violência contra a mulher. A unidade é composta pela Delegacia da Mulher e Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), além do Ministério Público.
Os três últimos crimes em Campo Mourão foram contra mulheres. No dia 14 de outubro (Jardim Paulista), Viviane Andrea dos Santos, 33, morreu na UTI da Santa Casa onde estava internada, depois de ser atingida por um tijolo. Ela defendia um cachorro que sofria maus tratos. O autor do crime era vizinho da vítima. 
Em 10 de novembro (Tropical 2), Patricia Kauane Santos de Mello, de 16 anos, foi assassinada com golpes de facão pelo sogro, de 48. Ele mutilou a jovem com golpes nos braços, perna e pescoço. Uma criança de dois anos presenciou o crime e pediu socorro a uma vizinha. O sogro não se apresentou até hoje. 
No dia 7 de dezembro (centro), Sueli de Fátima Machado, 58, foi morta a machadadas desferidas pelo marido, Genildo dos Santos Machado, 59. Ela foi socorrida, mas morreu cerca de duas horas depois no hospital.

Serviço

Telefones para denúncias e apoio – Ligue para não ser mais uma vítima
(44) – 3523-4250 – Delegacia da Mulher 
(44) – 99774-6720/ 99851 8855 – Creas