Superação humana: Amilton não vê. Mas enxerga a vida

Quando disseram que a pauta seria sobre um homem cego a andar de bicicleta, dúvidas surgiram. Afinal, como poderia ser isso? Impossível num primeiro momento. Mas, num segundo, comprovando o fato, sim. Era verdade. Amilton Machado, com deficiência visual completa, monta em sua magrela todos os dias. Percorre as ruas da Vila Guarujá sozinho. Mantém um mapa na cabeça das ruas e esquinas. Aprendeu sons. Sabe até o latido dos cães do bairro. Amilton é a prova viva de toda e qualquer superação humana.

Aos 37 anos, Amilton é casado com Beatriz. Possuí dois filhos, Pedro e Raíssa. Mantém a vida repleta de serenidade. Vai a igreja. Faz as tarefas da casa. Brinca com o menino. Seu companheiro. Como a esposa trabalha na cidade, é ele quem garante o lar arrumado. E sem nenhum problema. Sabe onde tudo está. Lava, arruma, organiza. Mas a sua seriedade como pai e marido poderia não ser assim. Ele poderia nem estar mais vivo. No vidão mundano, Amilton já conheceu quem nunca prestou. Foi levado a caminhos desconhecidos. Virou alcoólatra. Viciou-se nas drogas. Fez o que não devia. 

Sua história foi marcada ainda aos cinco anos de idade. A família morava na zona rural de Pitanga. Certo dia, no sítio, resolveu brincar de estilingue com um amiguinho. Na ingenuidade, pegaram um vidro com Azodrin. Um produto tóxico utilizado na lavoura. Era pra ser o alvo. Mas enquanto Amilton o carregava, o amigo foi impulsivo. E acertou a pedra em cheio. O líquido atingiu os olhos. Depois disso, ele até foi medicado. Mas nunca mais enxergou. Ficou totalmente cego. Aos cinco anos, o menino teve que se reinventar. O mundo já não seria mais o mesmo. 

Desde então, a mãe de Amilton o direcionou a ser independente. Queria preparar o filho a fim de não sofrer. Sabia que não estaria ao seu lado a vida toda. Passados os anos, mudaram para Luiziana. Depois, a Campo Mourão. Na Vila Guarujá. Aos oito anos, começou a estudar no Colégio Estadual. Era ali, numa sala especial, com professores atenciosos, onde aprendeu a leitura em braile. “Até os meus 18 anos jamais havia usado uma bengala. Tinha vergonha. Eu mesmo tinha preconceito do meu problema”, revelou. Mas a vida o ensinou. Passou a se aceitar. Até hoje, mantém sua bengala. 

As dificuldades de Amilton proporcionaram dons que ele mesmo não sabia ter. Criou um mapa invisível na cabeça. Sabe quase todos os nomes de ruas e avenidas da cidade. Aprendeu direções. Passou a andar sozinho. O cara se vira como qualquer outra pessoa. Ele mostra que, apesar da deficiência, pessoas são todas iguais. Possuem as mesmas qualidades. Mesmos defeitos. 

Em 2008, conta que foi ao Teatro de Campo Mourão. Lá, perdeu a hora. O último “busão”, passou. Ele ficou. Não tinha como ir embora. Era noite. Cerca de 22h. Ao lado de sua bengala, ligou o mapa da cabeça. Cruzou o centro. Passou pelo Jardim Araucária. Atravessou a rodovia BR-487. Andou parte do caminho numa estrada de chão. Chegou são e salvo três horas depois. Afinal, pra que pressa?  

Mundo errado

Amilton tem um passado escuro. Mas não tem como apagá-lo. Lembra que, ainda, aos 12 anos, tomou gosto pelo fumo e pela cachaça. Fumante do velho “paiero” – cigarro de palha -, a mãe pedia que o acendesse pra ela. Assim como a pinga. “Ela me pedia pra pegar um gole pra ela. Comecei a dar umas bicadas. Não parei mais”, disse. Aos 16, já bebia de segunda a segunda. Foi então que começou a nadar contra a correnteza. Conheceu quem não devia. Iniciou a jornada na maconha. Perdeu o amor próprio. Passado um tempo, Amilton já usava pasta de coca. 

O adolescente estava praticamente perdido. Mas teve um impulso para deixar a cidade. Buscou o Instituto de Cegos em Cuiabá. Queria estudar. Dar um tempo na vida. Fugir da sua realidade. Mas lá, também conheceu gente errada. Foi expulso do órgão. Mas não há nada que não se possa melhorar. Ainda mais se você está no fundo do poço. A redenção de Amilton aconteceu aos 24 anos. Foi num dia comum a tantos outros. De volta a Campo Mourão, ele foi a igreja. E foi lá que a vida deu mais uma chance. Ele conheceu Beatriz, sua esposa. Apaixonou-se. Casou em 2008.

A partir daí, tudo foi diferente. Formou uma família. Conquistou um lar. Teve dois filhos. E nunca mais se aproximou das drogas. Entre 2014 e 2017, Amilton conseguiu um trabalho. Foi contratado pela Central Hospitalar. Revelava raios X. Conta que deve muito ao seo Claudino. Foi o primeiro a estender a mão a ele, profissionalmente. Hoje, não está trabalhando. Além da renda da esposa, tem um benefício do governo. Ganha um salário. 

Olhando para trás, Amilton acredita muito em Deus. “Ele teve um propósito para salvar minha vida”, diz. Lembra que no caminho de cada um, nada é por acaso. Pensa que as dificuldades impostas, ou melhor, que as pedras no caminho, existem apenas para fortalecer. Amilton está feliz. Muito feliz. Tem tudo o que precisa. Agora, necessita de melhoras na casinha. A porta da frente está caindo. E o forro seria um conforto à família em dias de frio. Além disso, não têm espaço para lavar a roupa. Tudo é feito do lado de fora. Em dias de chuva, a coisa fica complicada. Um dia por vez. Assim ele leva a vida. Amanhã virá outro.