Tese de mestrado se torna polêmica ao envolver família Pereira
“Com a vinda das primeiras famílias – pecuaristas, fazendeiros -, na região de Campo Mourão, por volta de 1903, temos a fixação de moradia da família Pereira. Após a chegada dessa família, várias outras vieram habitar esse local e parte desses indígenas foram dizimados ou expulsos de suas terras, fato que ainda continua presente na história local na contemporaneidade”. O trecho faz parte de uma dissertação de mestrado de História, da Universidade Estadual do Paraná (Unespar). Apresentada pelo mestrando Fábio Vedovato, ainda em 2021, a afirmação envolvendo os Pereira vem levantando bastante polêmica. Principalmente, pela família não aceitar a informação.
“Isso é uma mentira. Nunca foi verdade. Quando aqui chegaram, Luiz e os irmãos não eram pecuaristas, tão pouco fazendeiros. Vieram para trabalhar e gerar o sustento de suas famílias. Índios também não mais estavam aqui. E dizer que nossa família os expulsou e, até os dizimou, é inaceitável. Quem escreveu isso terá que provar”, afirmou Evaldina Pereira Romanhuc, neta de Luiz Miguel Pereira, o grande pioneiro de Campo Mourão.
Aos 74 anos, ela mostrou um documento original, datado de 1941, provando que o avô comprou e pagou pelas suas terras. O recibo, emitido pela “Collectoria de Pitanga”, identifica um pagamento na época de 21.237.300,00 Réis. “Meu avô foi um homem honesto e digno. Se ele expulsou indígenas, porque então comprou as terras. O mestrando se baseou em achismos para escrever isso”, disse ela.
Filha de Evaldina, Kelly Cristina Romanhuc também não aceita a citação de sua família. “Tenho medo que essa mentira se torne verdadeira. Principalmente porque a tese pode ser utilizada como referência a outros trabalhos. Uma vez propagando uma inverdade, o fato se tornará no futuro, uma espécie de verdade. Acreditamos que esse seja o momento de consertar o que foi escrito”, explicou ela.
Embora não tenha vivido na época de 1903, Evaldina conta que a família sempre repassou as histórias de seu passado. “Tivemos um avô exemplar e trabalhador. Nunca maltratou ninguém. Se tivesse feito qualquer coisa parecida, nós saberíamos. E sabemos que não fez. Então não posso deixar que manchem a história, a índole e o caráter de um homem que nunca fez mal a ninguém. E que ainda, ajudou a construir Campo Mourão”, argumentou.
Outro lado
Procurado, Fábio Vedovato disse que não afirma na tese que os Pereira foram os responsáveis pela expulsão e dizimação dos indígenas. “Há uma má interpretação ali. Fiz menção à família Pereira porque, em outras pesquisas, consta como os primeiros a chegarem aqui, sem estabelecer relação com os indígenas. Eu não crio culpados”, explicou. Fábio afirma que, por ele, dá por encerrado o assunto.
Historiador
Mas mesmo dizendo não afirmar que os Pereira expulsaram e dizimaram os índios, há quem ateste que indígenas nem mais estavam no município em 1903. Jornalista e pesquisador radicado em Curitiba, Silvestre Duarte escreveu em 2017 o livro “Campo Mourão, da Saga dos Pereira ao Eldorado Paraná – 1887-1963”. Nele, consta a declaração do sertanista Edmundo Alberto Mercer de que não havia mais índios em Campo Mourão quando os Pereira chegaram. “No chapadão do Campo Mourão, antes dos paulistas que o habitam desde 1902, ninguém morou a não ser os caingangues que daí saíram há mais de 30 anos”.
Para Silvestre, faltou ao mestrando pesquisar melhor o passado do município. “Ele foi genérico ao mencionar fazendeiros e índios. Conflitos entre os dois realmente aconteceram em quase todos os lugares. Mas não foi o caso de Campo Mourão e dos Pereira. Nossos antigos praticavam uma economia crioula, com uma agricultura de subsistência e de escambo. Após as colheitas, viajavam até Guarapuava levando cargas em lombos de mulas para vender e trocar. Não eram pecuaristas. Tinham gado de leite e de corte, apenas para consumo”, revelou.

Os Pereira
A chegada da família Pereira em Campo Mourão aconteceu em 16 de setembro de 1903. Vieram do estado de São Paulo, data que marca o começo da colonização do município, quando José Luiz Pereira fixou residência definitiva nos “Campos do Mourão”.
Após a chegada da mudança, vieram os irmãos Luiz Pereira e Miguel Luiz Pereira, além de mais três famílias: Américo Pereira Filho, Luiz Silvério e Cesário Manoel dos Santos. Em seguida, chegaram as famílias de Ananias Luiz Pereira e José Luiz Pereira Sobrinho. Após quatro longos anos, em 1907, novos núcleos familiares chegaram à Campo Mourão, entre os quais o de Bento Gonçalves de Proença – tio de José Luiz Pereira – e de Jorge Walter.
Miguel Luiz Pereira trouxe de São Paulo um carro de boi que chegou em março de 1923. Até 1910, juntaram-se aos Pereira as famílias de:
José Custódio de Oliveira e sua esposa Gertrudes Maria de Jesus
Joaquim Custódio de Oliveira
Ana Luiza de Oliveira
Miguel Custodio de Oliveira
Luiz Custódio de Oliveira
José Francisco Mateus Tavares
José Teodoro de Oliveira
Guilherme de Paula Xavier
Em 20 de janeiro de 1910, data consagrada a São Sebastião, foi a vez da chegada do “russo” Jorge Walter. Ele veio de Pitanga, conduzindo na época:
654 cabeças de gado vacum
48 éguas de criar
15 cargueiros carregados de sal

