Paulo Mendes Campos, sem ele a crônica empobreceria

“Um amigo meu me ensina a diferença entre ‘chatear’ e ‘encher’. Chatear é assim: você telefona para um escritório qualquer na cidade.
— Alô, quer me chamar por favor o Valdemar?
— Aqui não tem nenhum Valdemar.
Daí a alguns minutos você liga de novo.
— O Valdemar, por obséquio.
— Cavalheiro, aqui não trabalha nenhum Valdemar.
— Mas não é do número tal?
— É, mas aqui nunca teve nenhum Valdemar.
Mais cinco minutos, você liga o mesmo número:
— Por favor, o Valdemar já chegou?
— Vê se te manca palhaço. Já não lhe disse que o diabo desse Valdemar nunca trabalhou aqui?
— Mas ele mesmo me disse que trabalhava aí.
— Não chateia.
Daí a dez minutos, ligue de novo.
— Escute uma coisa: o Valdemar não deixou pelo menos um recado?
O outro dessa vez esquece a presença da datilógrafa e diz coisas impublicáveis. Até aqui é chatear. Para encher, espere passar mais dez minutos, faça nova ligação:
— Alô! Quem fala? Quem fala aqui é o Valdemar! Alguém telefonou para mim?”
Paulo Mendes Campos – ‘chatear e encher’

Dificílima a tarefa de escolher uma crônica entre tantas da admirável produção literária de um dos maiores escritores brasileiros. E, ao mesmo tempo, é contemplativo e prazeroso separar uma delas para citar agora, no centenário de nascimento do escritor Paulo Mendes Campos, dia 28 de fevereiro de 1922.

Foi também poeta, jornalista e tradutor, um homem de muita leitura e produção textual.

O legado dele é de quinze livros. No dizer de amigos, como outro conterrâneo mineiro Otto Lara Resende, “um cronista em tempo integral”. Paulo Mendes Campos escrevia tão bem na prosa quanto na poesia, sendo popular e erudito.

“O amor acaba” é um dos mais belos textos em toda a nossa literatura, tendo, inclusive, dado nome a um dos livros dele. “Para Maria da Graça” escrito para uma moça de quinze anos, é lírico, terno e comovente.

Assim como no início desta Coluna, o encerramento dela no texto principal, transcrevo o começo do poema dele intitulado As mãos que se Procuram:

Quando o olhar adivinhando a vida
Prende-se a outro olhar de criatura
O espaço se converte na moldura
O tempo incide incerto sem medida
As mãos que se procuram ficam presas
Os dedos estreitados lembram garras
Da ave de rapina quando agarra
A carne de outras aves indefesas

Fases de Fazer Frases (I)
Tudo tem um preço, até o que não tem valor algum.

Fases de Fazer Frases (II)
Estive com o detetive Estive, mas não me detive, só tive.

Fases de Fazer Frases (III)
A enfermeira Maria estava enferma na enfermaria.

Fases de Fazer Frases (IV)
O Trajano traja sem ultrajar.

Fases de Fazer Frases (V)
Honra não mata fome, pois fome é desonra.

Olhos, Vistos do Cotidiano
O velho problema das calçadas em Campo Mourão, tão antigo quanto atual. O desmazelo até resulta na impossibilidade do pedestre andar na calçada, quem dirá as pessoas que usam muletas ou são cadeirantes.

Carros nas calçadas é outro exemplo de incivilidade. Evidentemente que não são todos, mas é muito expressivo.

Farpas e Ferpas
Trocam-se chaves? Fechaduras?

Questão-chave? Questão fechada?

É o segredo a questão.

Reminiscências em Preto e Branco (I)
Com certa e boa facilidade, é comum nas listas dos melhores cronistas brasileiros, de todos os tempos, figurarem os seguintes nomes: Machado de Assis, Lima Barreto, João do Rio, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, tema principal da Coluna de hoje.

Todos eles têm livros de coletâneas de crônicas. Machado, Barreto e João do Rio eram cariocas; Braga era capixaba; Drummond e Paulo, mineiros.

Reminiscências em Preto e Branco (II)
“É proibido folhear”, era advertência que se encontrava nas bancas de jornais, revistas, livros. Devido a internet, as bancas como tais já desapareceram. Era para evitar que as pessoas lessem tudo ou muito sem pagar.

Se o ditado caiu há tempo em desuso, não significa que folhear desapareceu. Hoje folhear é mudar as páginas virtuais.

Aproveitando o assunto, folear nunca existiu como relativo a virar as folhas.

José Eugênio Maciel | [email protected]