Ana e sua missão pela educação inclusiva

Estagiária aos 15 anos na Escola de Educação Especial Leôncio de Oliveira Cunha, em Paraíso do Norte, Ana dedica a própria vida à busca de soluções no atendimento da pessoa com transtorno do espectro autista (TEA) e de seus familiares. Tudo começou na década de 80, em sua primeira sala de aula multisseriada – 1ª a 4ª séries. Ela ainda cursava o Magistério. A escola ficava próxima ao Rio Ivaí, no Município de Japurá. Ana chegava antes das crianças. Trazia consigo a sopa já pronta, para a hora do intervalo. A água era tirada do poço. Também cuidava da limpeza da sala. Mas ali, algo transformou a sua vida.

Naquela “turminha” havia um garotinho que pouco falava. A mãe dele dizia que não aprendia. Era o seu terceiro ano na escola. Ainda não lia e nem escrevia. Quando a professora se aproximava, o menino manifestava um grau elevado de ansiedade. Houve um dia em que saiu correndo da sala e entrou numa lavoura de café. Ana foi atrás e ao encontrá-lo, balançava o corpo, olhando fixo ao nada do horizonte.

Ana então pediu licença e se sentou, um pouco distante, repetindo os movimentos dele. Em seguida disse: “Esse movimento acalma”. O menino então sorriu. “Peguei uma varinha e escrevi meu nome no chão e ele copiou e o escreveu com seu dedo. Falei que meu nome era composto por duas vogais e uma consoante. Em seguida, ele escreveu seu nome. Naquele momento, a nossa comunicação se iniciou”, lembrou.

Ana era apenas uma adolescente. Não sabia sobre os motivos daquele comportamento. No entanto, sabia ser necessário encontrar um meio para se comunicar. No dia seguinte, ele começou a escrever num caderno que a professora havia encapado e feito desenhos nos cantos das folhas. Já, naquela época, ela entendia que todas as vezes que ele balançava o corpo, era necessário prestar atenção em sua fisionomia, se estava alegre ou apenas agitado por alguns motivos. Ali, Ana decidiu sua missão. Seu destino já estava traçado. Era hora de descobrir os porquês daquilo.

Hoje, aos 55 anos, Ana Floripes Berbert Gentilin, é uma referência quanto às soluções educativas ao autismo. Professora há mais de 37 anos, é graduada em História e Geografia. Se especializou em Pedagogia Escolar, Geografia, Meio Ambiente e Educação Especial Visão Integradora – Ensino Especial/Ensino Regular. Ela herdou características de quase toda a família – a maioria exerceu a profissão do Magistério.

A trajetória de Ana se iniciou, mais especificamente, no final dos anos 90, quando compôs a equipe pedagógica do Núcleo Regional de Educação de Cianorte. “Nesse momento descobri que haviam vários estudantes com comportamentos parecidos com o do meu inesquecível aluno”, disse. Mas com uma diferença. Eles estavam separados dos outros alunos. Só eram incluídos quando passavam a ser considerados “preparados”.

Segundo ela, naquele tempo, quando estavam “prontos”, tinham 12, 13, 14, 15 anos. As matrículas eram feitas e ingressavam nas turmas de estudantes com idades inferiores. Antes, muitos se sentiam constrangidos e com vergonha de estudarem separados da maioria, principalmente, porque as idades eram discrepantes. Eles eram sempre os maiores da turma. Enquanto isso, nas pastas individuais de cada um deles, nas secretarias, muitos laudos de comorbidades. Menos, em vários casos, os das verdadeiras causas: autismo.

Anos 2000. Com a evolução das políticas públicas, iniciou-se um grande movimento para incluir as crianças, sempre que possível, no mesmo espaço que as demais. Foi nesse cenário e com muitas capacitações que Ana enfim, descobriu que o seu aluno, aquele dos anos 80, estava no espectro autista.

Entre 2009 e 2011, Ana participou do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, na Universidade Estadual de Maringá. Mais adiante, foi nomeada representante do Ministério Público. Foram anos de muita luta na Justiça, de 2007 a 2016. Sempre, pela inclusão educacional.

Hoje, Ana faz parte da Comissão de Estudos da Causa do Autismo em Cianorte. A etapa da realização do censo para a elaboração de Políticas Públicas que atendam a realidade local e regional. Ou seja, o mapeamento da situação, para providências a curto, médio e longo prazo, está acontecendo.

E é assim que, nos últimos 37 anos, Ana tem se dedicado a uma intensa batalha para enfrentar as dificuldades cotidianas: lutar pelos direitos dos estudantes com relação aos atendimentos externos. Os resultados das ações realizadas pelo colégio em que trabalha foi reconhecido e premiado. Em 2013 o projeto “Identidade vs. Preconceito: inclusão de alunos com transtornos globais do Desenvolvimento – TGD”, foi classificado entre os 20 melhores no prêmio “Victor Civita – Educador nota 10”. Haviam 3 mil projetos inscritos.

Em 2016, o projeto “Identidade vs. Preconceito” classificou-se em primeiro lugar no prêmio nacional “Para Todos de Inclusão Escolar”. No ano de 2018, o projeto “Identidade vs. Preconceito: as relações interpessoais e o sucesso escolar”, classificou-se em primeiro lugar, etapa estadual, nível Ensino Médio, no prêmio” Professores do Brasil”. Em 2019 a professora Ana recebeu o Troféu Velho Guerreiro, do Rotary Cianorte Furquim de Castro, devido suas contribuições, ao longo desses mais de 30 anos de trabalho voltado à inclusão social e educacional.

Ana é casada e possui um filho. Ela veio de uma família simples, cujos pais tiveram três filhos. É a do meio. O mais velho possui problema na área de saúde mental e deficiência intelectual. Seu pai era professor e vereador e morreu em 1998, com 59 anos. A mãe tem 74 anos, professora aposentada.

Diante de tudo o que viveu e se propôs a combater, Ana diz que até hoje, jamais se esqueceu do seu primeiro estudante no espectro autista. Na década de 80, ninguém sabia identificar. Mesmo assim, a menina estagiária de 15 anos, o alfabetizou e conseguiu ajudá-lo, principalmente, quando entrava em crise. “Eu ainda me pergunto: Aonde e como ele estaria no momento? Só gostaria que soubesse que nunca desisti dele”.