Estudantes de medicina levam saúde e esperança a populações carentes do Pará

O que você pode fazer por alguém? Quais os verdadeiros sentimentos que ainda o movem? Um grupo de 27 estudantes e quatro professores do curso de medicina de Campo Mourão sabem. Juntos, eles criaram o projeto “Humanika” e rumaram à algumas comunidades carentes do Pará. A meta era levar um mínimo de saúde a quem estava, e ainda está, à mercê de quase tudo. Incluindo médicos. Então, por nove dias, deixaram a zona de conforto e passaram a ajudar centenas de pessoas, todas reféns do serviço público de saúde. Dormiram em acampamentos, sobre redes, em uma embarcação. Pagaram a própria passagem e também empurraram o ônibus atolado nas estradas sem pavimento. E não ganharam nada por isso, a não ser, suas próprias certezas. De que humanos, nasceram para ajudar humanos. E isso, a eles, não tem preço.

A turma deixou Campo Mourão no dia 13 de dezembro, chegando a Belém um dia depois. Lá, um ônibus os levou até Santarém. No caminho, pausa para desatolar o coletivo. Unidos por um objetivo, empurrar o veículo foi apenas um detalhe. A partir dali, chegaram até uma embarcação, que os levou a comunidades ribeirinhas localizadas em afluentes dos rios Amazonas e Tapajós. O barco pertence ao pastor Alberto Souza, um paranaense que há 30 anos vem ajudando populações desassistidas com expedições como esta.

Organizados pelos quatro professores, que também são médicos – Eufânio Sachetti, Wanderlister Tavares, Fabio Mizote e Tâmara Ziliotto – os estudantes iniciaram os atendimentos. E eles não foram poucos. Pra lá de 1000. Foram realizadas consultas médicas, que englobavam ampla sintomatologia. E procedimentos cirúrgicos, como vasectomias, retiradas de hernias, lipomas e cistos sebáceos. Os estudantes de medicina também levaram muitos medicamentos. Todos foram cedidos às pessoas atendidas. Sem nenhum custo. O pagamento era feito através de um sorriso. Um aperto de mão. Um abraço.

Esta foi a terceira expedição do urologista Eufânio Sachetti. “É o verdadeiro sentido de servir. Porque você faz alguma coisa pra alguém que nunca mais vai ver. É uma satisfação. Vai muito além do racional”, explicou. O médico revelou que, além de atender pessoas carentes, também consegue levar aos estudantes uma realidade diferente do que conheciam. “Isso será muito importante para a formação deles”.

Sachetti informou que o Grupo Integrado também colaborou com a expedição, sendo um parceiro importante. Segundo ele, a expedição “Humanika”, criada dentro da faculdade de medicina, faz parte da Missão Canaã, que existe há três décadas. Com pequenas embarcações, eles conseguem atingir locais onde moram populações de extrema vulnerabilidade social. “Esperamos que o projeto se perpetue e que, uma vez ao ano, estudantes de Campo Mourão possam ter essa experiência”, disse.

Gabrielli Lais Martini, 21, foi uma das estudantes do projeto. No oitavo período de medicina, revelou estar plenamente satisfeita com sua participação na expedição. “Sem dúvidas foi a maior experiência e aprendizado que já tive em minha vida. Sair da zona de conforto, de perto da família, do meu lar e de toda a comodidade para doar-me a um projeto voluntário. Ter contato com uma realidade e cultura totalmente diferente. Enfrentar o calor da região, a exaustão, o trabalho que vai muito além de consultas. Enfim, tudo isso não foi fácil. Mas se tornou mais leve com o apoio que tivemos de toda a equipe. Foi incrível trabalhar com pessoas tão competentes, dedicadas e apaixonadas pela medicina”, descreveu.

Na visão de Gabrielli e de todos os outros estudantes, as diferenças das realidades das regiões Norte e Sul do país, são impactantes. É um choque. “É triste. Dói perceber que o ser humano é frágil quando não se tem as regalias que temos por aqui. O acesso à saúde, água encanada, saneamento básico, descarte correto do lixo são extremamente falhos naquela região”, explicou. Para ela, é preciso entender como projetos dessa natureza salvam vidas. Uma vez que, pessoas estão tentando sobreviver com pouco ou quase nada. “Elas não têm noção do quão grave isto é e, talvez, por isso, tentam levar a vida da forma mais pura e leve o possível”.

O REFLEXO DA REALIDADE
No distrito de Prainha, Boa Vista-Pará, os estudantes atenderam um menino de aproximadamente um ano. Seus pais não sabiam explicar o que a criança tinha, mas carregavam uma pasta cheia de exames prévios do filho. Chegou-se à conclusão que o menino era portador de hepatite A, com transmissão fecal oral ou por água e alimentos contaminados – reflexo da falta de saneamento e higiene.

A doença estava rapidamente comprometendo o fígado, que também estava aumentado, demonstrado por uma ultrassonografia. No exame físico notaram o paciente desidratado, desnutrido, irritadiço, com abdome globoso, dificultando o exame abdominal. Também estava com baixo peso para a idade e um atraso no seu desenvolvimento motor. Não levantava os membros superiores e inferiores e, muito menos ficava em pé. Uma criança de um ano já deve caminhar ou arriscar seus primeiros passos.

O grupo entendeu estar diante de um caso de extrema gravidade. Havia chances do fígado doente evoluir para uma cirrose e câncer. Os pais tinham que correr contra o tempo para salvar o órgão do filho e até mesmo, adentrar à fila do transplante. Limitados e com poucos recursos para intervir no caso, os médicos Wanderlister e Eufanio, com seus contatos e com um grande propósito de ajudar a família, mandaram uma carta diretamente para a diretora do Hospital de Santarém, encaminhando o paciente com urgência para avaliação do gastropediatra.

Além disso, os médicos explicaram com clareza aos pais a condição que o filho se encontrava – algo básico, mas que foi falho nos atendimentos anteriores, pois sem saber qual era a doença, eles não conseguiam entender a seriedade do caso – e os orientaram como deviam seguir dali pra frente.