Marcelo tatuou um demônio no corpo. E acredita estar pagando por isso

Aos 32 anos, Marcelo ganhou as ruas. Elas agora, são sua acolhida. E nunca antes, havia sido assim. Mas a vida tomou rumos desconhecidos. Ele está sozinho. Com uma boa conversa, contou estar faminto. A última refeição foi pela manhã. Alguns pães recebidos por compaixão de uma padaria da cidade. Agora, sem rumo e desempregado, anda sem direção. Desnorteado pela fome e pela falta de esperanças. 

O jovem narra ter nascido em Campo Mourão. Mas já, aos dois anos, foi levado pela família à Cuiabá. Lá, por anos, a vida seguia. Nunca foram ricos. Viviam dignamente, com o pão sempre à mesa. Com o tempo, conheceu uma moça e se casou. Ao mesmo tempo, trabalhava como pedreiro e carpinteiro. Mas nem tudo eram flores. Acabou por descobrir uma traição da companheira. Os passos desaceleraram. A alegria desapareceu.

Mas não há nada na vida que não possa piorar. Numa das cenas trágicas da realidade, Marcelo  perdeu de uma só vez, mãe, pai e irmão. Juntos, viajavam de caminhão pros lados do Mato Grosso. O genitor era o motorista. Numa das curvas do destino, uma colisão frontal. Os três morreram. O mundo de Marcelo sumiu. Desesperado e abalado, pôs um fim no casamento. E decidiu rumar por caminhos desconhecidos.

Com apenas uma mochila nas costas, deixou Cuiabá, ainda em 2016, e seguiu até Campo Mourão. Foram quatro dias na estrada. Entre caminhadas e caronas, fome, sede e medo. Na cidade natal, as esperanças se renovaram. Estava pronto a uma nova vida. O despertar de um novo homem.

Então, buscou trabalho no que sabia: a construção civil. Na batalha do dia a dia, se levantou. Tudo ia bem. Conheceu uma nova companheira e, com ela, juntou os trapos. Também tiveram um filho. No entanto, a vontade em conquistar todos os seus desejos, o mais rápido possível, o levou às vias erradas. Deu tudo errado. E pagou por isso. Iludido pelo tráfico, foi parar na cadeia. Ficou mais de um ano trancafiado. O mundo desmoronou, agora, pela segunda vez.      

 Ao deixar o cárcere, o mundo já era outro. Marcelo descobriu que havia perdido o casamento e tudo o que antes havia planejado. Sobraram as desilusões e uma vontade enorme em beber. Na busca por ajuda, recebeu medicações contra depressão. “Pra piorar, perdi meus documentos após me embriagar. Não posso nem arrumar emprego”, disse. Sim, agora Marcelo possui mais um problema: o álcool.

A sua força para continuar os dias, vem de Deus. “Só acredito nele. Em nada mais”. Mas, os dias escuros, os quais vem passando, acredita estar ligado a atitudes do passado. Aos 17, tatuou o corpo com um demônio. Nas costas, uma cruz, com os dizeres “a verdade”. E um pequeno diabo. “Quem sabe tudo o que estou passando não é por causa disso”, questiona. Mesmo tatuando o mal no corpo, ele sabe que ainda não foi vencido. Por inteiro.

Esta semana, Marcelo optou contar sua vida a este repórter. Muito desconfiado, no início foi contra. Mas acabou cedendo. Trazia consigo apenas uma mochila. Nela, um garfo, uma camiseta e um crucifixo. Uma espécie de escudo ao mal tatuado. Além disso, a fome. Tempos atrás, ficou três dias sem comer. Sob o frio da semana, contou dormir numa casa abandonada próxima ao centro. Não tem coberta. E está precisando de roupas, principalmente, calças.

Vivendo o presente, mas vendo o passado, Marcelo continua a respirar. Dá um passo a cada vez. Esta noite, ainda não tem certeza onde dormirá. A sua jornada é solitária. Não possui amigos. Muito menos, segundo ele, alguém para conversar. De certo modo, compartilhar os próprios fantasmas. Ele se sentiu feliz em contar sua vida. Fazia duas semanas que não trocava palavras com outros humanos. Mas, infelizmente, a jornada é assim mesmo. No mundão de hoje, é cada um por si.