Relato solitário de um repórter em busca da vacina

Sexta feira, 14h. Cheguei de carro à fila da vacina. O momento tão esperado havia chegado. Era hora dos cinquentões. Mas num país onde tudo acontece – ou não -, era óbvio: iria demorar. A fila era interminável. Quando cheguei, ela começava na rua Pitanga, ao lado do estádio. Pouco a pouco, fui contornando o quarteirão. No liga e desliga do motor, deixei a quadra do estádio às 15h30. Sozinho, contava os minutos até chegar minha vez. Minha santa vacina.

Isolado dentro do veículo, não tinha o que fazer. Era um misto de ansiedade. Uma espécie de fuga da morte. Embora saiba que, dela, não se foge. Comecei a ver coisas por fazer. Arrumei os cds. Também os limpei. Ouvi música. Bati os tapetes, tirei sujeira do interior. Nada mais a fazer, continuei sozinho, em uma jornada solitária, embora cercado por muita gente. Pelo retrovisor, via o rosto sorridente de um esperançoso. Estava mais ansioso que eu. Certeza. O sujeito, também sozinho, não parava de sorrir. 

No carro à frente, outro cinquentão. Barba e cabelos brancos. Mas sem paciência. Deixou o veículo várias vezes, muitas para fumar. Numa delas comprou um saco de carvão. Opa, churrasco pra comemorar. As horas insistiam demorar a passar. Que tormento. Que angústia. Mas se é assim, que seja. Sabia que precisaria passar por isso. Em casa, uma torcida imensa. Duas meninas que não viam a hora do pai ser vacinado. A noite um vinho para celebrar. Mas será que pode?

Já estava na avenida Guilherme de Paula Xavier. Pelas contas, umas cinco quadras para chegar. Então botei ordem na minha mochila. A virei no banco do passageiro. Arrumei item a item. Joguei papéis. Arrumei os documentos. Limpeza geral. Começou a chover. E com o friozinho lá fora, clima ideal pra um cochilo. Mas de que jeito? O liga e desliga do motor não podia parar.

Chego à rua Edmundo Mercer. Agora, apenas 200 metros até o ponto de vacinação, na Unespar. Começo a checar os papéis pedidos à vacina. Tudo certo. A ansiedade aumenta. Então começam as dúvidas cruéis. Será que terá uma dose ainda? Afinal, é muita gente pra vacina de menos. Pensei: Pra quem tá na chuva, um pingo não faz diferença. 

Continuei, certo do que pretendia. Se chegasse sem a dose, certamente a casa cairia com as meninas. Moço, o trem não andava. Já estava no sexto cd. Lá fora, a chuva continuava. Caía devagar. Parecia mostrar que a paciência era algo necessário a manter. Segui com ela. Até o fim. 

Às 16h15 alcanço a rua São Josafat. Faltava 100 metros.  À minha frente, cerca de 50 carros. A busca incessante começava a surgir. Atrás, a fila sumia, a perder de vista. Finalmente vem uma das moças da saúde. Toda paramentada de branco, me pede os papéis. Na prancheta, inicia os procedimentos de informação. Pergunto: “Ainda tem vacina”? E ela responde sorrindo: “Sim, temos”. Alívio.

Me despeço da moça e mais alguns metros, dobro a esquina. Estava prestes a cruzar a linha de chegada. Como uma corrida de Fórmula 1. Mas, neste caso, uma corrida em favor da vida. Do outro lado da avenida, outra fila gigantesca, com pessoas, ao invés de carros. Ela também dobrava a esquina. Todas enfileiradas, com seus guarda chuvas, por um só motivo: manter-se vivos. A esperança a poucos metros.

Pronto, chegou minha vez. Eram 16h34 e alguns segundos. Mesmo esperando mais de duas horas no carro, logo pensei: Não há tempo para viver. Poderia ter ficado 5, 6. A agulhada nem doeu. A enfermeira era campeã no que fazia. E fez sorrindo. Ela sabia que tinha em mãos o sonho de toda uma população. Saí feliz. Aliviado. E pronto para a próxima dose, em setembro. Em tempo: o vinho terá que ficar para o domingo. Gratidão aos profissionais da saúde e pela vida!