O Pacto Ecológico Europeu e os desafios para o agro brasileiro
Em dezembro de 2019, a União Europeia (UE) anunciou o chamado Pacto Ecológico Europeu ou Green Deal, que consiste em um conjunto de medidas a serem adotadas pelos países integrantes do bloco, direcionadas a modificar ações que contribuem para a emissão de gases de efeito estufa e suas consequências nocivas ao meio ambiente. As propostas visam tornar as políticas da UE em matéria de clima, energia, transportes e fiscalidade adequadas para alcançar uma redução das emissões líquidas de gases com efeito de estufa de, pelo menos, 55 % até 2030, em comparação com os níveis de 1990. Para concretizar o Acordo Verde, a UE pretende disponibilizar pelo menos um bilhão de euros do seu orçamento para projetos sustentáveis. Além disso, segundo a Comissão da UE, deverão ser mobilizados pelo menos 260 bilhões de euros dos setores privado e público para investimentos extras.
O impacto na economia global será expressivo, sendo definido pela Comissão Europeia como “um roteiro para tornar a economia da UE sustentável, transformando os desafios climáticos e ambientais em oportunidades em todos os domínios de intervenção política e proporcionando uma transição justa e inclusiva para todos”. O pacto reconhece que “a UE tem a capacidade coletiva de transformar a sua economia e a sua sociedade de modo a colocá-las numa trajetória mais sustentável. Pode tirar partido das suas forças enquanto líder mundial nos domínios da ação climática e ambiental, da proteção dos consumidores e dos direitos dos trabalhadores”. Nesta perspectiva, confirma a UE na “vanguarda da coordenação dos esforços internacionais envidados para criar um sistema financeiro coerente que apoie soluções sustentáveis”.
A ambição ambiental do pacto ecológico não será concretizada pela Europa isoladamente, pois o texto indica que “os fatores determinantes das alterações climáticas e da perda de biodiversidade são globais e não estão limitados por fronteiras nacionais. A UE pode fazer uso da sua influência, dos seus conhecimentos especializados e dos seus recursos financeiros com vista a mobilizar vizinhos e parceiros para que adiram a uma trajetória sustentável”. Trata-se, pois, de uma estratégia voltada à construção de alianças com países e organizações que partilham do mesmo espírito.
Para o Brasil, convém avaliar os impactos do Acordo Verde, especialmente em relação ao agronegócio. A União Europeia é, afinal, o segundo principal destino das exportações brasileiras, com negócios que renderam cerca de US$25,5 bilhões em 2022. A comissão busca obter a utilização de práticas sustentáveis, como a agricultura de precisão, biológica, a agroecologia e a agrossilvicultura, bem como normas mais rigorosas de bem-estar animal. O ponto destacado é de que não é permitido introduzir nos mercados da UE alimentos importados que não cumpram as normas ambientais aplicáveis ao bloco.
Em termos práticos, o pacto europeu poderá originar consequências mais imediatas do que os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da ONU. Enquanto os ODSs são metas a serem cumpridas a médio ou longo prazo (2030 e 2050), o pacto da UE gerará resultados mais imediatos. Trata-se de uma posição incisiva da UE ao exigir que os parceiros comerciais sigam rigorosamente suas regras, sob pena de não serem realizados os negócios, especialmente quando o bloco econômico europeu aventou a possibilidade de suspender as negociações com os países do Mercosul.
O Brasil, segundo o relator do projeto no bloco, Christophe Hansen, “provavelmente será considerado um país de alto risco”, pelo alto índice de desmatamento. O Relatório Anual de Desmatamento no País (RAD2022) produzido pelo MapBiomas indica que somente de 2019 a 2022, ocorreram 303 mil eventos de desmatamento, o que corresponde a 6,6 milhões de hectares.
As restrições, que têm previsão para vigorar a partir de dezembro de 2024, devem impactar diretamente no agronegócio brasileiro, em particular a produção de soja, milho, café, madeira, cacau, óleo de palma, borracha e produção de origem animal. Os agricultores deverão comprovar que não estão inseridos em locais com degradação devido ao “excesso de atividades agropecuárias”. Importa ressaltar que “as exigências serão semelhantes a pré-requisitos, sem os quais nenhuma negociação será feita”.
Trata-se de um cenário complexo, particularmente porque, segundo a estimativa da Organização das ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Brasil deve se tornar o maior produtor mundial de alimentos em 2025. O agronegócio representa quase 25% do PIB brasileiro, de modo que os grãos produzidos no país alimentam cerca de 1,2 bilhão de pessoas em todo mundo, com cerca de 40% das exportações nacionais realizadas pelo setor.
A questão torna-se mais enfática, visto que também a China, que responde por cerca de 30% das vendas do Brasil, manifestou-se no sentido de apoiar a eliminação do desmatamento ilegal global via importações e os Estados Unidos da América caminham para adotar restrições aos produtos resultados de desmatamentos. Portanto, ao tempo em que um dos maiores vetores econômicos do país, que é a exportação de commodities, encontra-se diante das tendências colocadas pelas relações internacionais, verifica-se que a questão da sustentabilidade deixa de ser considerada uma recomendação teórica, e passa a ser uma condicionante prática aos negócios.
Se, por um lado, os desafios tornam-se evidentes, também podem ser identificadas oportunidades em termos de adoção de medidas relacionadas a sustentabilidade. O pacto ecológico europeu prevê “mudar o foco da conformidade para o desempenho, medidas como os regimes ecológicos devem recompensar os agricultores por um melhor desempenho ambiental e climático, incluindo a gestão e armazenamento de carbono no solo, e uma melhor gestão de nutrientes para melhorar a qualidade da água e reduzir as emissões. Além disso, reflete-se um maior nível de ambição para reduzir significativamente a utilização e o risco de pesticidas químicos e fertilizantes”.
Com efeito, no Brasil, a implementação de sistemas de produção sustentáveis faz-se necessária, desde logo, com a adoção das boas práticas de produção agropecuária, de modo a preservar os recursos naturais (solos, água, biodiversidade e florestas naturais) para garantir a produção futura. Outras medidas como o combate à erosão, à recuperação de solos degradados e à manutenção de mananciais de água, de florestas naturais e da biodiversidade são prioridades que devem nortear as ações dos produtores rurais e são diretrizes de políticas públicas.
Para que as oportunidades sejam viabilizadas, serão necessárias medidas concretas do Estado brasileiro em linha com os deveres assinalados pelo art. 225, da Constituição Federal, segundo o qual: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Aliás, o artigo estabelece também, em seu parágrafo primeiro, as incumbências ao poder público, as quais, em conjunto com a Política Nacional do Meio Ambiente, revelam que o país possui acervo regulatório suficiente para o alcance das metas estabelecidas pelas boas práticas internacionais.
O momento desafiador pode servir como oportunidade para que o Estado e o agronegócio fortaleçam a inseparável parceria para o desenvolvimento do país. Espera-se, com isso, que as estruturas regulatórias e institucionais existentes sejam capazes de demonstrar a expressão da contribuição brasileira ao mercado e à sociedade internacional, não apenas como o maior celeiro do mundo, mas também como o mais sustentável.
Heroldes Bahr Neto é mestre em Direito e integra o Grupo de Pesquisa e Estudos do Comitê de Infraestrutura do Movimento Pró-Paraná e do Instituto de Engenharia do Paraná; Bárbara Dayana Brasil é advogada, professora e consultora, pós-Doutora em Direitos Fundamentais e Democracia.