O Dia dos Pais de Luiz terminou mais cedo

Eram quase 19h do último domingo, quando José Lopes, 38, escutou um estampido. O barulho era o disparo da polícia contra o irmão, Luiz Carlos Lopes, 32. Ele, Luiz, fazia a própria filha refém. Em posse de um caco de vidro, dizia que mataria a criança. Estava em meio a um milharal, cerca de dois quilômetros da casa, onde a tragédia teve início. Horas antes, ainda pela manhã, não quis devolver a filha, a pequena Laís, de três anos, à mãe. E era o Dia dos Pais. Tudo o que ele queria, segundo o irmão, era passar aquele dia com a menina. Um único tiro derrubou Luiz. Para sempre. Laís, saiu ilesa.  

A tragédia abalou a pequena Barbosa Ferraz. Atônitas, pessoas ainda não compreendem como o caso terminou assim. A família conta que Luiz era separado da ex companheira, Cleonice. Com ela, teve dois filhos. O casamento durou nove anos. Mas foi interrompido ainda no ano passado, por uma traição. Luiz havia se relacionado com uma menina de 13 anos. E está sendo processado pela justiça. Por assédio a menor. O caso veio à tona. E o casamento, pro beleléu.

Desde então, morando em casas separadas, o casal vinha compartilhando a guarda dos filhos. No último sábado, Luiz apanhou a menina. Ela passou o dia com o pai. À noite também dormiu ao seu lado. A promessa era devolvê-la até a manhã de domingo. E foi aí que a tragédia iniciou. Na casa simples do irmão, José – conhecido como “Zezinho” -, um churrasco iria começar. Era para comemorar o Dia dos Pais. Como Laís não havia sido levada à casa da mãe, o Conselho Tutelar foi acionado. Conselheiros pediam a menina. “Luiz não a devolveu. Ele queria passar o dia com ela. Eu mesmo disse a eles que a levaria depois do almoço”, disse “Zezinho”, sem sucesso na empreitada. 

Certo de sua decisão em não devolvê-la, Luiz se trancou no interior da casa. Vendo a polícia, apanhou uma faca e a colocou no pescoço da filha. Dizia que, se a menina tivesse que ir embora, a mataria. O caso despertou a curiosidade de toda a cidade. Cerca de 200 pessoas se aglomeraram em frente à residência. Era o prenúncio de uma tragédia. Mas parecia um circo. Parentes tentavam dialogar com Luiz através da janela. Ele conversava com todos. Mas dizia não entregar a filha. “Teve um momento em que ele entregou a faca ao conselheiro. E deu alguns passos pra fora. Mas viu um policial com arma em punho atrás de uma árvore. Foi aí que recuou. Quebrou um copo. E ameaçou a menina com o vidro”, disse “Zezinho”.

Horas depois, já à tarde, Luiz saiu da casa. Os policiais não o detiveram. Ele caminhou com a filha por dois quilômetros. Até chegar ao milharal. Uma tropa do BOPE da capital foi acionada. Segundo a polícia, sem resultados na negociação, decidiram por garantir a vida da criança. Um único tiro. Na têmpora. No final da tarde do domingo, 09 de agosto, o Dia dos Pais havia terminado mais cedo a Luiz. Laís foi salva.

“Zezinho” não entendeu. Ele queria que o caso não acontecesse desta maneira. Para ele, o irmão, mesmo que, sob pressão, ou sob um surto psicótico, jamais mataria a filha. Ele também havia tentado intermediar a negociação. Mas, segundo ele, foi impedido pelos policiais. “Quando corri até o milharal, não deixaram que me aproximasse. Disse que ia ajudar a tirar os dois, vivos, de lá. Mas me algemaram e, ainda, me agrediram”, revelou. Ele também deseja respostas da polícia. Por quê, afinal, deixaram que o irmão saísse da casa? E ao Conselho Tutelar: Porque não evitaram a tragédia, permitindo que Luiz permanecesse com a filha no Dia dos Pais? 

Luiz  

Na cidade, a imagem de Luiz é a de um sujeito de bem. Trabalhador. Ele ganhava a vida honestamente como pintor. Sempre foi pobre. Também tinha defeitos. Muitos até. Era nervoso. E ainda continuava apaixonado pela ex companheira, Cleonice. Mesmo assim, mantinha as responsabilidades dos dois filhos. O único “BO” apontado contra ele, foi a denúncia de abuso contra menor. Após a traição, Luiz passou a morar com a adolescente. Ela, inclusive, está grávida de seis meses, dele.

Luciano Basílio Vieira, ex cunhado, conta que Luiz era seu amigo de infância. Juntos, jogavam bola e trocavam ideias, desde os 14 anos. Ele lembra que o amigo teve depressão ainda na adolescência. “Logo que a mãe dele morreu, ele ficou mais isolado. Ficou triste. Introvertido. Naquela época, todos notamos que ele não era mais a mesma pessoa”, disse. Para ele, no domingo, Luiz teve um surto psicótico. Estava transtornado. “Até a voz dele estava diferente. Não era ele”, lembra. 

Com o tempo, lá pelos seus 23 anos, Luiz começou a frequentar uma igreja. A alegria retornou. Ao mesmo tempo, conheceu Cleonice, a quem se apaixonou. “Ele continuava gostando da minha irmã. Algumas vezes pediu para reatarem. Mas com a traição, ela nunca aceitou”, disse Luciano. Os amigos também perguntavam a ele porque havia traído Cleonice com uma adolescente. Mas, segundo eles, jamais se abriu sobre o assunto.     

Juntos, Luiz e José, além de irmãos, eram amigos. Trabalhavam juntos como pintores. Eram somente os dois. Seo Juvercino, o pai, hoje com 85 anos, veio das Minas Gerais ainda jovem. Em Barbosa Ferraz casou e criou os dois. A companheira morreu há quase 15 anos. Conta “Zezinho”, que, aos 17 anos, Luiz foi trabalhar em Paranavaí como pintor. Foi sozinho tentar a vida. Lá, se envolveu com o “crack”. Um tempo ruim. Mas decidiu retornar para a cidade, parando com a droga. Na mesma semana em que chegou, a mãe morreu. “Ele sempre se sentiu culpado pela sua morte. Acreditava que, se estivesse presente, poderia ajudar”, lembrou o irmão. E foi depois do enterro dela que passou a se isolar de tudo. Chegando a permanecer preso dentro do próprio quarto, por algum tempo.  

A família é unânime em afirmar que Luiz nunca faria mal a menina. Também é consciente em saber que não deveria ter procedido como fez. No entanto, para as leis dos homens, é inconcebível aceitar a ideia de um pai ameaçar a própria filha. Seja com uma faca ou um caco de vidro. Ou até, com palavras. Talvez, Luiz tenha dito a frase errada. Poderia ter ameaçado tirar sua própria vida. Não a de uma criança. Não a da filha. Agora é tarde demais para tentar compreender os motivos que o levaram a isso. Luiz, definitivamente, não teve um Dia dos Pais do jeito que queria. Nem a pequena Laís. Aliás, ela nunca mais terá.  

Conselho Tutelar

Vice Presidente do Conselho Tutelar de Barbosa Ferraz, André de Souza acompanhou toda a ocorrência no domingo. Segundo ele, a ideia, quando chegou ao local, era conversar e permitir a presença da criança com o pai durante o almoço. No entanto, após Luiz apontar uma faca à menina, tudo mudou. “Como conselheiro, não podia permitir mais a criança no local”, disse.

Souza explica que, apesar de não ter experiência em negociação – mais especificamente como neste caso -, fez o que pode. “A todo momento conversei com ele. Pedi para que devolvesse a menina. E acabássemos com aquela situação”, disse. E Luiz iria devolvê-la. Por volta das 11h40, o pai entregou a faca ao conselheiro. Disse que deixaria Laís sair. “Ele havia pedido que todos os policiais saíssem de perto. Mas achou que tinha um deles ainda. E depois recuou na decisão”, explica. 

Por volta das 16h, enquanto conversava com os policiais, fora do imóvel, Souza lembra que Luiz deixou a casa. Foi uma ação rápida. Mesmo assim, o alcançou na rua e o acompanhou na trajetória até o milharal. “Pedi a Luiz que voltasse para a casa. Mas ele dizia que não tinha mais confiança nas negociações. Então, fomos dando água e balas à criança. Ela estava exausta. Cansada. Com fome. Tudo o que podíamos fazer, fizemos. Não queríamos que o caso terminasse do jeito que foi”, diz. Segundo ele, o Conselho atuou a todo momento com o respaldo da Polícia Militar.   

Ao chegar no milharal, Souza pediu a Luiz que não adentrasse à lavoura. Que permanecesse na estrada. E ele o respeitou. Sua preocupação não era à toa. A criança estava chorando. Desesperada. E com os pés machucados. Assim que o BOPE assumiu a operação, Souza se afastou do local. No fim da tarde, quase de noite, escutou o tiro. O caso estava encerrado. 

Polícia 

Comandante da Primeira Companhia do 11 Batalhão de Polícia Militar, e da ROTAM, o Tenente Gabriel acompanhou a operação. Segundo ele, a ordem era para não deixar Luiz sair da casa. No entanto, quando percebeu que a criança estava sendo bastante pressionada com o vidro, decidiu recuar. Ela chorava e reclamava do incômodo. “Vimos ali, naquele momento, que o pai poderia causar danos à criança. Então recuamos”, disse. Luiz também estaria sob efeito de álcool. Gabriel conta que, durante as negociações, na casa, o pai tomou pelo menos três latas de cerveja. 

Já no milharal, o Tenente conta que “Zezinho” foi mesmo impedido de se aproximar. “Não houve agressão. Mas uma contenção”, afirma. Para ele, o irmão de Luiz estava alcoolizado e atrapalhou por diversas vezes a operação. “Ele colocou a vida da sobrinha em risco. Rompia o cerco. Xingava o irmão. Foi impedido de se aproximar para não piorar mais a situação. Na verdade, saiu no lucro. Poderia ter sido preso”, disse. 

Com a chegada de uma equipe de Curitiba, Gabriel transferiu a operação ao BOPE. Passou então a operar as delimitações do distanciamento dos populares. Mas explica que a polícia não dispara para terminar uma ocorrência. “O disparo foi efetuado após a convicção que a vítima corria riscos”. Um negociador, com treinamento internacional, participou da ação. Não havendo possibilidades da soltura da menina e, ainda, com a iminência de danos fatais, decidiu-se pelo disparo. A equipe vinda da capital possui treinamento especial, para ocorrências desta natureza.