A injustiça cruzou o caminho da van de Ricardo

Ricardo tem oito filhos. Com a família numerosa, comprou uma van. E estava satisfeito. A utilizava ao trabalho. E, principalmente, para levar as crianças, seus filhos, a três colégios diferentes. Todos os dias. Mas, em outubro de 2015, ao chegar a primeira escola, com cinco deles, foi abordado por fiscais do trânsito. Com giroflex ligado, o indagaram. E o autuaram por transporte irregular de escolares. Ele não conseguiu se defender. Não houve bom senso. A van foi levada por falta de documentação. Mas a multa, veio como transporte irregular. Mesmo injustiçado, ele jamais pensou em acionar a justiça. Com o coração maior que ele mesmo, acabou perdoando a falta de sensibilidade dos fiscais. 

À época, Ricardo Alberto da Silva trabalhava com jardinagem. Então, o veículo servia para carregar a tralha toda. Mas, também, transportar os filhos à escola. O que ele jamais imaginou, seria ser autuado por algo que, definitivamente, nunca fez: ganhar a vida transportando estudantes. Recebendo grana por isso. O caso aconteceu em Foz do Iguaçu, em 01 de outubro de 2015. Naquela manhã, quando parou em frente a primeira unidade escolar, foi cercado pelos fiscais da FozTrans. “Ligaram o giroflex. Assustaram meus filhos. Nunca tinha sido abordado assim”, disse.

Mesmo argumentando que se tratavam de seus filhos, não houve diálogo suficiente para que entendessem o caso. Também, segundo ele, não permitiram que se deslocasse até a residência para apanhar os documentos das crianças. Ainda assim, permitiram que deixasse outros dois filhos na segunda escola. E um último, na terceira. Foi escoltado pela viatura. Numa “via crucis”, difícil de esquecer. Mas, assim que as crianças desceram, o carro foi levado. Com placas do Paraguai, faltava documentação para que rodasse no Brasil. Até aí, ele entendeu. 

Mas o que não concorda, até hoje, é o fato de ser autuado por trabalhar carregando escolares. Enquanto fiscais aprontavam o guincho para içar a van, a filha, na época com quatro anos, permaneceu sentada na rua, sobre os equipamentos do pai. “Ficamos eu e ela, na rua. Com todos as minhas ferramentas. Pedi compreensão a fiscal. Mas ela disse que estava ali apenas cumprindo seu papel. Que o problema era meu. Que não tinham nada a ver com a minha vida”, disse. A menina, revelou ter sido a primeira vez em que viu o “seu papai” chorar. 

No final das contas, Ricardo acabou multado pela falta do documento para rodar no país. E também pelo transporte irregular de estudantes. Que eram mesmo estudantes. Mas no caso, seus filhos. Não havia grana na jogada. Não ganhava a vida daquela maneira. Na rua, sem van, com a filha e as ferramentas, restou pedir socorro ao pai. Dias depois, após pagar as multas, retirou o veículo. E nunca pensou em acionar a justiça. “Sabia que, se entregasse o caso à justiça, prejudicaria aquela fiscal. Mas jamais penso em agir contra qualquer pessoa”, disse. Antes de se despedir da van, já sobre o guincho, Ricardo convidou os fiscais a almoçarem na sua casa. E, por fim, conhecerem sua família. Mas eles jamais compareceram. 

Destino

O tempo passou. Ricardo então comprou uma nova van. Agora, teve que readequar sua habilitação, para a carteira D. Enquanto fazia as aulas, o instrutor perguntou qual seria o objetivo da carteira. “Expliquei que a família era grande. E contei o caso. Ele então me perguntou porque eu não coloquei na justiça. Falei que o órgão terceirizaria a responsabilidade aos fiscais. E eu jamais pensei em prejudicar ninguém”, disse. Para ele, Deus o perdoou de muitos erros cometidos no passado. E, não seria ele a condenar outro ser humano. 

As aulas continuaram. Um dia, o instrutor o chamou num canto. Queria confidenciar algo. Disse que a fiscal que o autuou, era sua cunhada, casada com o seu irmão. “Meu instrutor revelou que estava impressionado com o que eu não fiz. Em não processá-la”.

Ricardo hoje está com 44 anos. É casado há 24, com Patrícia Ecco da Silva, 43. Vive da venda de massas caseiras nos fundos da própria casa. Ganha hoje pra pagar o rango de amanhã. Sobrevivem dignamente, de forma humilde. Nada sobra. Mas também não falta. O casal não possui renda fixa. O que ganham, é de uma certa forma, o que Deus provém. A filha mais velha ajuda com o emprego. E a esposa, com artesanatos. Uma família unida. “Ás vezes dá desespero saber que o dinheiro pode não dar. Mas ele sempre dá”, disse. 

Do amor, nasceram Ana Gabrieli, 22, Maria Eduarda, 18, Isabel Mayara, 16, os gêmeos Mateus Emanuel e Neemias Gabriel, 12, Ester Rafaela, 10, Mirian Luiza, 7, e Paulo André, 4. Além dos oito, ainda outros três filhos do céu, em abortos espontâneos. Seriam 11 filhos.

O casal vive em função da palavra de Deus. E também, da vontade Dele. Tiveram os 8 filhos sob uma educação cristã. Também aboliram métodos contraceptivos. A bem da verdade, não se utilizam de anticoncepcionais. No entanto, buscam respeitar períodos férteis da esposa. Ricardo é mesmo um sujeito diferenciado. Prefere a paz, a conflitos. O amor, à guerra. E, em meio a um mundo de caos, busca mostrar que Deus está aqui. Ainda existe esperança.   

FozTrans

Embora já tenham se passado cinco anos do caso, o superintendente da FozTrans, Fernando Maraninchi, foi bastante atencioso com a reportagem. E falou sobre o caso. Segundo ele, foram duas infrações. A primeira por não conter o seguro obrigatório (carta verde). Motivo pela apreensão da van. “A multa das crianças foi por ele não ter comprovante de paternidade. E ocorre muito transporte irregular do Paraguai ao Brasil”, explicou. Mas como já mencionado, Ricardo não pode apanhar os documentos na casa. De certa forma, foi impedido.   

Mas, questionado se não faltou bom senso por parte da fiscal, preferiu não opinar. “Eu não estava no órgão ainda”, revelou. Perguntado se, Ricardo tivesse comprovado a paternidade, informou que não existiria a multa por irregularidade escolar. “A van seria apreendida apenas por falta da carta verde”. Maraninchi também informou que ele ainda pode pedir a devolução da multa paga pelo transporte irregular. Na época, algo em torno de R$ 127.