Há dois meses, José mora num vestiário

Eram 10 da manhã quando José Luiz fazia a barba. Com uma das mãos segurava um retrovisor de moto. Com a outra, deslizava a lâmina sobre o rosto. Ele não tem um espelho. Aliás, não tem nada. Desempregado e com problemas na perna esquerda já, há dois anos, não conseguiu pagar mais o aluguel. Sem teto, acabou por residir no vestiário do campo de futebol da Vila Cândida, no Lar Paraná. José está sozinho. Não fosse a generosidade da população, nem comida teria.

Já são dois meses ali morando. Até pouco tempo, o vestiário abrigava José, a ex-companheira e o filho dela, de 14 anos. Mas as precárias condições fizeram com que a mulher fosse embora. E, por um lado, José não lamenta. “Todos os dias eu tinha que ir pra rua pedir comida pra nós três. Eu tenho vergonha disso”, disse. Juntos, dividiam uma cama pequena. Faziam comida com apenas uma panela aquecida com lenha, entre tijolos. E tomavam banho na água fria.

O local teve toda a fiação roubada. Por isso, não possui energia elétrica. “A noite aqui é um escuro danado. Nem velas tenho”, disse. O vestiário também teve todos os vidros quebrados por vândalos e está com o telhado danificado. Mesmo diante de todos os problemas, ainda assim é um alívio. É o teto que falta a José. “Aqui estou bem. Melhor aqui do que na rua”, disse. Segundo ele, sua presença ali foi aceita por um dos cuidadores do campo, como uma espécie de piedade a quem nada tem.

José Luiz Bernardo Ferreira está com 47. Já teve três mulheres e nenhum filho. Conta que trabalhou dos sete aos 18 na roça, principalmente, cortando cana. Nasceu em São Carlos do Ivaí. Há 24 anos conheceu a primeira esposa num albergue em Maringá. Se apaixonaram e vieram a Campo Mourão, onde ela mantinha parte de sua família. Desde então, virou mourãoense.

Além da roça, trabalhou de tudo um pouco. Catou papelão, foi zelador de chácaras – inclusive trabalhou a um juiz – e atuou como vigilante de algumas empresas da cidade. A última delas foi um frigorífico, há dois anos. Após deixar o serviço, já pela manhã, sofreu um acidente com a magrela. A queda ocasionou fratura no fêmur esquerdo. Fez cirurgia, mas as sequelas permanecem até hoje. “Tenho dificuldades para andar. Não consigo dobrar a perna. E sinto muitas dores”, disse.

De acordo com ele, o problema também levou a outro dilema: a dificuldade em encontrar um emprego. “Ninguém quer me empregar”, afirmou. Sem renda, buscou ajuda do governo. No entanto, disse que a perícia do INSS negou o benefício. “O perito disse que era pra eu trabalhar”. O que sobrou foi apenas o Bolsa Família, no valor de R$91 por mês. “Esse dinheiro é muito pouco. Não me sobra outra alternativa senão pedir. Porque roubar eu não faço”, explicou.

José veio de uma família simples, modesta. O pai oriundo do Ceará. A mãe, de Minas Gerais. E quis o destino que não estudasse. Até hoje, sabe apenas assinar o nome. Teve outros oito irmãos. No caminhar dos dias disse ter encontrado a Deus. Tornou-se evangélico e não bebe. Ele agora deseja um trabalho e, quem sabe, uma casinha, com um teto somente seu. “Já me inscrevi pra ganhar uma casa. Mas nunca me chamaram”, diz.

No vai e vem dos dias, o sujeito de boa prosa, com o corpo cheio de cicatrizes – segundo ele por acidentes de trabalho -, continua a sobreviver. Ontem pediu uma caixa de leite. Hoje, um prato de comida. Ele não sente orgulho da sua situação, não. Gostaria de trabalhar como vigilante, mais uma vez. E, com a grana, pagar um aluguel e a própria comida. José precisa de um fogão e um botijão de gás. Roupas e uma oportunidade. E quem sabe, um pouco mais de esperança.

Serviço

Se você quiser ajudar José, ligue para ele (44) 99844-9853