Salma, o olhar da senhora

Os sapatos envelheceram depois de usados 
Mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados 
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés. 
As lágrimas correndo podiam incomodar 
Mas ninguém sabe dizer porque deve passar 
(…) 
Mas quando voltei, como se não houvesse voltado, 
Meus pássaros caíam sem sentidos. 
No olhar do gato passavam muitas horas 
Mas não entendia o tempo àquele tempo como agora. 
Não sabia que o tempo cava na face 
Um caminho escuro, onde a formiga passe 
Lutando com a folha. O tempo é meu disfarce
.

 Sentimento do Tempo – Paulo Mendes Campos

            A página deveria ficar em branco. Em branco o antagônico preto do luto. Sem qualquer palavra escrita, dita, para que o silêncio tome conta do imenso e indizível vazio da falta do agora, hoje, do amanhã, anos, de toda a vida pela vida que se findou. Sallime João Abraão de Lima és saudade, dia oito passado. A dona Salma tinha 87 anos.

            Mãe dos filhos de sangue, mãe-avó dos netos dela, foi também a mãe de tantos meninos e meninas hoje crescidos, adultos, donos do próprio nariz. Agora, no pranto, somos uma molecada sem amparo, a mãe que se foi era dos amigos da gente. Estamos órfãos. Pioneira como o esposo sempre querido por ela, o seu Irineu Ferreira Lima, são eles protagonistas do crescimento de Campo Mourão, aqui criaram e formaram os filhos. Constituíram uma amizade sólida e encantadora com outras famílias. Aqui abriram, alargaram, trilharam caminhos de generosidade, confiança, trabalho árduo e honesto. Na pequenez do espaço urbano e do número de habitantes todos se conheciam e as famílias cuidavam dos seus próprios filhos e dos outros também.

A dona Salma, dela guardarei o tempo quando meninos a nos cuidar, ensinar, demonstrar um afeto característico  e próprio dela manifesto para e em nós. O olhar dela falava, sorria, dava atenção peculiar. O olhar do ensinamento. O olhar de amor para cada um como singularidade e no somatório de todos os gestos de ternura.  

            Sem almejar reconhecimento, respeito sim, que não era para si mesma, mas para que praticássemos com os demais, os mais velhos que nós. Assim a chamávamos de senhora ou de dona Salma. A lição dela não diferia a da minha saudosa mãe Elza, que a vida toda recebia este tratamento, de senhora.

            Saiba, dona Salma, ainda que a senhora nos pudesse pedir para não sentíssemos a dor da sua partida, não tem como: inevitável a tristeza.

Seus exemplos de ser humano extraordinário são luzes a iluminar sabiamente caminhos e direções dos seus filhos, netos, noras, genros, assim como dos amigos, das famílias. Descanse em paz e, com todo respeito, que a senhora olhe aqui para esta turma como sempre olhou, acudiu, apoiou, incentivou, aplaudiu, para que, como sempre, ponha a gente no rumo. Aí das alturas celestiais, que a senhora se encante com aqueles que bem cativou a fazer o bem.           

Fases de Fazer Frases

            Alvorecer, alvo do ser.   

Olhos, Vistos do Cotidiano

            Empresto a caneta na fila do banco. A pessoa só devolve. Antes não falou bom dia e depois obrigado. Não serve uma a quem não sabe escrever.

Reminiscências em Preto e Branco

            Tristezas são inevitáveis na vida. Faziam parte da sua. Entretanto, por maior que fosse a barreira você dava um jeito de sorrir, demonstrar a esperança e apreço pela vida, a sua e dos seus, esposa, filhos e o grande número de amigos. Os lábios unos, para sempre, quem sabe eles nem serão notados naquele adeus, pois o que ficará vibrantemente na recordação é o sorriso que tinha do bom homem, de caráter, que jamais lhe faltaram. Mas que agora falta a todos que o conheceram. A paz o acompanhe, José Gabriel da Silva. Adeus, Gabriel (11, terça passada, 47 anos).