De viciado a vereador. As duas vidas de Fabiano

Fabiano nunca foi ladrão. Mas num caminho quase sem volta, roubou tempo, confiança, saúde e o sono dos genitores. Era uma espécie de caso perdido. Herdou a genética etílica do avô e do pai. Então, já aos 14, começou a beber. Os degraus o levaram à nicotina tóxica dos cigarros. E por fim, às carreiras intermináveis da cocaína. Mas um dia a ficha caiu. Há alguns anos, decidiu provocar o próprio vício. E parou. Mandou os rituais ao inferno e se apegou a uma força maior. Hoje, Fabiano é um pequeno empresário. Foi eleito vereador. E se voltou a trabalhar por pessoas como ele: dependentes em álcool, cigarro e drogas.

Há alguns anos, Fabiano Aparecido Barbosa nem via o mal que fazia a ele, e a quem amava. Estava cego pelo vício. Afinal, é comum aos toxicômanos o egocentrismo. A vida sempre gira ao seu redor, pensam eles. Nascido em Palotina, tem hoje 38 anos. Mas ainda aos dois, a família se mudou a Goioerê. E foi ali quando a mãe, Maria, percebeu onde tinha fincado os pés. Ela descobriu o alcoolismo do marido, Benedito. Começava um drama sem fim. Que continuaria mais tarde, no sangue do próprio filho.

Na verdade, Benedito já herdara o vício do pai, que acabou se prolongando a três gerações. E foi assim que Maria lutou duas vezes contra o mesmo problema. Primeiro, com o marido. Anos depois, com o filho. “Sofri muito com isso. Foram noites sem dormir. Um pesadelo que enfrentei. Mas ao invés de ser um sonho ruim, era tudo real”, disse. Dependente do álcool, Benedito fez o que o diabo duvida. Teve até o dia em que Maria o “resgatou” da casa de uma prostituta. “Fui muito humilhada. Mas aprendi a perdoar os erros dele”, revelou.

A história de Fabiano começou aos 14. Trabalhando num supermercado, iniciou as saídas noturnas com amigos. E não prestou. Conheceu a primeira dose. Não parou mais. Na época, mantinha um comportamento agressivo, com ou sem o álcool. “Comecei a ver uma necessidade em beber. Era algo mais forte do que eu”, lembra. A adolescência evoluía diretamente com a vontade em novos voos. Então, aos 16, passou a fumar. Aos 17, já enrolava o próprio baseado. E, por fim, aos 18, encontrou as carreiras do pó.

Levado por uma força maior que ele, aos 20 já bebia todos os dias. Foi quando não conseguiu mais esconder os vícios da mãe. “Não bastasse o meu marido, agora era meu filho que traçava o mesmo caminho. Fiquei desesperada”, disse Maria. Tentando mudar os destinos da família, ela decidiu mudar de cidade. Carregou um caminhão e desapareceu de Goioerê. Sarandi era uma espécie de “terra prometida”. Mas deu tudo errado. As coisas por lá só pioraram.

Era 1998. Em Sarandi Benedito não largava o boteco. Fez dívidas que enrolaram toda a família. Enquanto isso, Fabiano se perdia do outro lado da cidade. Ao mesmo tempo, a namorada, Lucinéia, de Goioerê, mandava as boas novas: “Estou grávida”. Com a notícia, a moça acabou se mudando para Sarandi. E permaneceu junto à família do namorado.

Mesmo prestes a ser pai, a ficha não caía. Fabiano extrapolava mais e mais. Dormia distante da casa. Ficava sem dar notícias. Ele estava no fundo do poço. Num abismo quase sem volta. Comovido pela situação do filho, Benedito tomou à frente. Tentando dar um exemplo, ainda que fosse tarde, deixou a bebida. Mesmo assim, ainda via o filho promover agressões verbais, contra ele e a própria esposa.

A situação chegou ao limite. Maria colocou o filho, a namorada e o próprio neto, recém nascido, na rua. “Pensei comigo, se não aprender agora, não aprenderá mais. Fiz isso com dor no coração. Mas, de certa forma, não havia restado mais nada a fazer”, disse ela. Embora alcoólatra e viciado no pó, Fabiano continuava trabalhando. Mas ele não durava em emprego algum. “Acabei vendo que o problema não eram as empresas. O problema era eu. Eu era o meu maior inimigo”, disse.

Sem rumos, Fabiano decidiu retornar a Goioerê. Afinal, ali a esposa havia uma família para ajudar. Era 2006. Lucinéia, mesmo sempre pedindo para que parasse com a vida desregrada, não obtinha êxitos. O jeito então encontrado foi na pancada. Ex lutadora de artes marciais, iniciou regras. Quando não cumpridas, o castigo logo vinha. “Uma vez tive que esfregar o rosto dele numa parede rebocada. Machucou bastante”, lembrou ela.

Foi um tempo em que Lucinéia deixava a casa para trabalhar e sustentar a família. O segundo filho já havia nascido. Enquanto isso, Fabiano continuava no bar, nas aventuras, nas carreiras do pó. Numa das noites, a esposa o chamou para conversar. Ela o cobrava para permanecer em casa, cuidar dos meninos, ser companheiro. “Perguntei porque ele preferia a rua do que a nossa casa. E ele me convidou pra fazer o que ele gostava. Fez uma carreira de cocaína na mesa da sala e me convidou a cheirar. Quando estava quase caindo na sua tentação, fui mais forte. E soprei toda aquela porcaria”, lembrou.

Em 2009, Fabiano trabalhou numa boa empresa em Goioerê. Precisando de dinheiro para manter o vício, começou a levar droga. Então, entre uma venda e outra, recebia a visita de usuários. E era lá, na loja, quando vendia – não o que era pago pra vender –, mas cocaína. Não podia dar certo. Como não deu. Desconfiado, o gerente estranhou o fato de uma galera o procurar durante todo o dia. A rua foi a serventia da casa.

A vida doentia seguiu. Tanto era o vício que, determinado dia, saiu às pressas da casa de um amigo. Estava fissurado em beber e usar mais uma carreira de pó. Era uma tarde chuvosa. O filho mais velho estava junto. No entanto, a neura era tão grande, que deixou o menino na rua, sob a chuva. “Até hoje eu não esqueço aquele dia. Meu filho me cobrou. Perguntou porque o pai dele o deixou na rua, na chuva”, lembrou.

Mas os caminhos tortuosos de Fabiano estavam prestes a serem corrigidos. A incansável Lucinéia agora lutava de outra forma. Ela tentava levar o marido a reuniões da igreja. E ele aceitou, embora um tanto contrariado. “Fui para que parassem de me encher o saco”, disse. Foi a cursilhos, encontro de casais e à Congregação Mariana. No entanto, foi através do Cristma, quando despertou. Era a semente que precisava para virar gente de novo.

Então, no dia 14 de novembro de 2011, a ficha caiu. Após torrar R$1,2 mil em bebidas e pó, chegar em casa aos farrapos e desmaiar, do nada, surgiu uma imensa vontade em parar com tudo. A grana veio do primeiro salário recebido do novo emprego. Suou um mês inteiro para esfacelar o dinheiro de uma só vez. “Ali, naquele momento revi minha vida. Decidi ser ajudado e, desde então, parei”, explicou. Certo no propósito de seguir adiante, se aproximou dos pais, da esposa, dos filhos, de Deus. E prosperou.

Com o tempo, Fabiano e a esposa montaram um pequeno negócio. Mas não são eles quem mandam no pedaço, não. O filho mais velho, de 18, assumiu a bronca. E gosta do que faz. O mais novo, de 16, tenta a vida como atleta de futebol. “Só pude me aproximar e contribuir com a carreira dele depois que parei com álcool e as drogas”, revelou.

Tentando resgatar vidas arrasadas pelo álcool e as drogas, Fabiano voltou sua atenção à causa. Desde que entrou em recuperação – mesmo não usando, ele continua sendo um dependente -, vem testemunhando o caos provocado pelo vício. Ele continua em recuperação do álcool, das drogas e do cigarro há nove anos e nove meses. No último ano, pleiteou uma cadeira à Câmara Legislativa de Goioerê. E a conquistou. A principal bandeira é lutar para políticas para a recuperação de toxicômanos.

Empunhando a bandeira, agora está à frente da Cristma em Goioerê. Uma entidade sem fins lucrativos, cujo principal objetivo é abrigar e recuperar dependentes. E ele está conseguindo. Pelas contas, já são 38 pessoas recuperadas e outras oito em tratamento. A redenção de Fabiano, é também a esperança de muitas outras pessoas.

Fabiano no “antes e o depois das drogas”

O que é o Cristma?

O Cristma, Movimento Cristo Te Ama, é uma entidade filantrópica, assistencial e sem fins lucrativos. Foi criada em julho de 1980 com o objetivo de atender os dependentes de drogas. Mais tarde foi ampliado aos doentes do álcool e aos seus familiares.

O movimento possui três linhas de ação. A primeira está relacionada diretamente a pessoas dependentes do álcool, drogas, jogos de azar, do descontrole emocional. Neste sentido, o grupo trabalha a abstinência.

A segunda ação consiste nas pessoas não dependentes. Mas com problemas familiares, não sabendo lidar com a situação. No Cristma, essa questão tem como foco a serenidade.

Por último, o Cristma também acolhe pessoas que não têm nenhum tipo de dependência. No entanto, se colocam a serviço da entidade. A estas pessoas o grupo oferece a oportunidade de viver a fé cristã.