José está cansado das curvas da própria estrada

José Vidal nasceu em 68. Foi criado na zona rural de Nova Cantú. Ao lado dos pais e de outros nove irmãos, cresceu num ambiente saudável, distante da bagunça e das confusões dos grandes centros. E, aprendendo desde menino o ofício dos genitores, na roça deu valor ao trabalho. A vida seguia bem. Mas o destino se encarregou do resto. Com problemas no relacionamento com o pai, decidiu fincar os pés na estrada. Deu adeus. Não olhou para trás. Sumiu, sem deixar rastros.

“Zé”, como se intitulou, está segundo ele, há mais de 30 anos no trecho. Na solidão dos anos, acabou sozinho. Numa estrada perdida, cheia de tentações. Seus “pecados” favoritos. A decisão por ali estar foi somente sua. “Eu estava tendo muitos problemas com meu pai. Pra não fazer nenhuma loucura preferi deixar minha casa. Minha família”, revelou.

José concedeu a prosa num posto, próximo a Pitanga. Cansado, reclamava de dores nas pernas. Muito provavelmente, reflexo das caminhadas da estrada. Sedento, carregava uma espécie de cajado, com o qual transportava tudo o que tem no plano terreno: um saco com cobertas e algumas roupas. Ele também estava com “Sultão”, um cão que o acompanha há anos. Companheiros de uma vida de acostamentos.

Ele falava num tom baixo, quase sussurrando. Estava sentado sobre uma pequena mureta. À sua frente, um corote de aguardente, já pela metade. Pedindo ajuda aos que ali passavam, solicitava bebida. Ganhou água e refrigerante. “Não estou com fome. Comi bastante hoje”, disse.

Conta que deixou a família ainda moço. Na solidão da estrada fez um pouco de tudo. Primeiro atuou como borracheiro. Mais adiante, trabalhou numa oficina. “Você acredita que eu consertava motores de carros?”, indagou. Mas, na roda da vida, terminou sem emprego. A bem da verdade, está ao Deus dará. E ele está cansado da trajetória escolhida.

Barbudo e com longos cabelos, lembra que, ainda criança, estudou somente até o segundo ano do fundamental. Época em que aprendeu a ler e a escrever. Pouco, mas o suficiente para os quilômetros a percorrer. José agora busca sair do trecho. Procura uma chácara ou algo do tipo para morar e trabalhar. Ele não gosta das cidades. Prefere o silêncio. Um silêncio aprendido no próprio mundo de isolamento.

José explica que já passou muita fome. “Fiquei seis dias sem comer”, disse. Mas na rodovia, segundo ele, o pior tormento ainda é a sede. Sede de água mesmo. O aguardente, um dos “pecados prediletos”, fica em segundo plano.

Sem um teto, ele se acostumou a dormir em qualquer lugar. Ocupa abrigos de ônibus na estrada. Margens de rodovias. Postos de combustíveis. Ou até, sob marquises nas cidades. A preocupação com os locais quase não existe. Embora também seja um dos motivos do seu cansaço.

Hoje, aos 55 anos, José já se habituou a ficar sem a família. Conta que era um dos irmãos mais novos. Mesmo assim, sabe onde os pais estão. Segundo ele, há tempos, deixaram Nova Cantú para residirem em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba. Nem ele sabe há quanto tempo não os vê. O que sabe está apenas à sua vista, através das placas da rodovia. Ele continua caminhando numa estrada cujas direções, definitivamente, não existem.